• A gestão da presidente levou a uma crise econômica. Agora, é preciso resolver o político para começar a tratar do econômico
- O Globo
Tem a pergunta clássica: a crise política determina a econômica ou é o contrário? A resposta de cima de muro é fácil: uma determina a outra. E não ajuda muito. O que interessa saber é o seguinte: qual a chance de se iniciar uma recuperação uma vez resolvido o processo de impeachment? Ou, a economia volta a andar sem a crise política pelo menos na sua fase mais aguda?
Com Dilma ficando, a chance é quase zero. Ficará um governo não apenas minoritário no Congresso e sociedade, mas uma presidente que, na luta contra sua demissão, hostilizou aqueles com os quais precisaria contar na busca de recuperação.
A presidente reconhece a necessidade de colaboração e promete convocar um pacto nacional se sobreviver ao processo de impeachment. Ao mesmo tempo, porém, disse ontem, em conversa com jornalistas, que são golpistas todos os empresários que defendem seu afastamento. Não é pouca gente. Diversas associações e sindicatos patronais importantes apoiam ostensivamente o afastamento de Dilma, denunciando sua “incapacidade” na gestão econômica. Como a presidente poderia chamá-los para voltar a investir?
Verdade que a presidente talvez nem queira saber dessa gente. O chefe seria Lula, com uma guinada à esquerda.
Por outro lado, ainda na entrevista de ontem, Dilma foi perguntada justamente sobre essa guinada. E respondeu: Lula “pode falar o que pensa porque está fora do governo”. E lembrou que Lula teve “outro comportamento” quando foi presidente.
Nesse caso, Dilma só pode estar se referindo ao primeiro governo Lula, que teve uma política econômica inteiramente ortodoxa. Ou seja, a presidente está sugerindo que, no pós-impeachment, Lula, como chefe de fato, poderia repetir aquela história.
Mas não pode. Primeiro porque o governo não tem mais dinheiro. Segundo, porque a estabilidade fiscal que havia foi destruída por Dilma. E terceiro, porque precisaria da confiança do chamado “mercado”, perdida há muito tempo, de modo irremediável.
Tem mais. Perguntada se os cidadãos comuns que simplesmente se declaram favoráveis ao impeachment também seriam golpistas, a presidente não vacilou: “Se o cidadão ‘A’ defende essa posição, o cidadão é golpista”.
Ora, são 61% os brasileiros a favor do impeachment, segundo o mais recente Datafolha. 61% de golpistas, acusa Dilma. Como fazer a tal repactuação depois disso?
De modo mais amplo, como a presidente pode falar essas coisas?
É porque Dilma acha que a fala de um presidente — ou de um governante ou de um político qualquer — é apenas isso, um discurso para a circunstância, que não tem nada a ver com a tomada de posições ou compromissos.
O exemplo maior foi a campanha de Dilma em 2014. Mentiu o tempo todo, ganhou, fez o contrário do que dizia — e acha que está tudo bem. Não foi por isso que terá perdido a credibilidade, mas porque é vítima dos golpistas. E ainda ontem, a presidente citou Lula como exemplo de falar uma coisa e fazer outra, na boa.
Tudo considerado, está claro que ela não tem a menor ideia de como sair da crise econômica. Na verdade, ela nem entendeu ainda que a causa primária dessa confusão é ela mesmo. Sua política econômica foi destruidora.
Olhem em volta: déficit nas contas públicas, o que significa juros altos, menos gastos, mais inflação e mais impostos. Dois anos de recessão, pessoas ficando mais pobres. Passando de dez milhões de desempregados. As principais estatais — Petrobras, Eletrobras, Correios, que seriam motores do crescimento — estão quebradas. Fundos de pensão das estatais, idem.
O que mostra o tamanho do problema de um governo Temer. O afastamento de Dilma cria a chance de resolver uma questão essencial, a recuperação da confiança. Mas não vem automaticamente. Vai depender de atitudes e posições muito claras e viáveis.
Voltando ao começo: a gestão de Dilma levou a uma crise econômica, que alimentou o processo de impeachment. Agora, é preciso resolver o político para começar a tratar do econômico.
Desemprego no lucro
A presidente Dilma costuma fazer umas contas estranhas, mas essa do saldo de empregos foi fora de série. A aritmética proposta: de 2011 a 2014 foram criadas 5,6 milhões de vagas; de 2015 para cá, 2,6 milhões foram fechadas; logo, seu governo garante um saldo positivo de 2,6 milhões de empregos.
Estão reclamando de quê? — parecia dizer.
Além da insensibilidade — vai contar essa aos 10 milhões de desempregados —, não faz o menor sentido. O natural — e o necessário — de uma economia emergente é gerar empregos. “Só” não gerar já é um pecado. Perder 2,6 milhões é tragédia, pessoal e social.
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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
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