• O que se espera é uma guinada na política fiscal
- Valor Econômico
Com 59,2 milhões de brasileiros inadimplentes - ou seja, 39,9% da população entre 18 anos e 95 anos - não será o aumento do consumo um dos fatores para dar novo impulso à economia brasileira. Para retirar a atividade econômica da queda livre em que se encontra, o novo governo vai mirar na expansão dos investimentos, nas privatizações e nas exportações.
Confiança é a palavra-chave para o presidente interino Michel Temer enfrentar o desafio. Para isso, o que se espera é uma guinada na política fiscal rumo a uma trajetória sustentável da dívida como proporção do PIB.
Pelo menos três medidas estariam na lista de reformas estruturais do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles: limite para expansão do gasto público; reforma da previdência; e a desvinculação, através do mecanismo da DRU "turbinada".
A proposta da DRU que tramita no Congresso é para "descarimbar" 30% das receitas do orçamento, mas a nova gestão pode propor um percentual de até 40%.
Essas são medidas com impacto de médio prazo nas contas da União, mas que sinalizam a possibilidade de retorno do superávit primário para conter o aumento explosivo da dívida pública.
Recuperar a confiança do setor privado é condição necessária, mas não suficiente para dar novo impulso à atividade econômica e colocar o país em regime de normalidade. Será preciso, também, reduzir o custo do capital sem comprometer o controle da inflação.
O tamanho e a velocidade do ajuste fiscal é que vai determinar o ritmo e a intensidade do corte da taxa Selic. A rigor está na redução dos juros a notícia positiva que o novo governo poderá dar à economia nos próximos meses.
Como a taxa de investimento cai há dez trimestres consecutivos e o crescimento potencial minguou para algo próximo de 1%, não se conta com uma rápida recuperação da atividade, que mergulhou em profunda recessão e contabiliza cerca de 11 milhões de desempregados.
Voltar a crescer, porém, é crucial para recolocar a política fiscal nos eixos. Cada ponto percentual a mais de crescimento ajuda em meio ponto percentual no resultado primário, cujo estimativa para este ano é de um déficit de 1,5% do PIB a 2% do PIB.
Os dados do SPC Brasil, divulgados esta semana, indicam que só em abril cerca de 500 mil consumidores do país entraram na lista de inadimplentes. O estoque era de 58,7 milhões e subiu para 59,2 milhões de pessoas. "O aumento expressivo desse número ocorre a despeito da Lei Estadual 16.569, que dificulta a negativação dos consumidores de São Paulo, Estado que concentra um em cada cinco devedores em atraso", ressalta o relatório do SPC.
Não só as pessoas físicas se afundaram em dívidas. Grandes companhias também têm procurado renegociar suas dívidas junto ao sistema bancário em um momento em que o crédito está em retração.
Para estimular os bancos a destravar a oferta de crédito, o Ministério da Fazenda preparou medidas de flexibilização de travas no âmbito do acordo de Basileia. As propostas que foram deixadas pelo ex-ministro Nelson Barbosa para o seu sucessor, Meirelles, tratam de tornar menos restritivas as regras de provisionamento de operações de crédito e adequação do requerimento de capital dos bancos.
Pelos cálculos dos técnicos oficiais, se adotadas todas as medidas propostas, haveria uma economia de capital do sistema financeiro equivalente a R$ 89,8 bilhões. Cifra que representaria um potencial de alavancagem de R$ 716,8 bilhões. A Fazenda enviou suas propostas também para o Banco Central como alternativa para viabilizar o refinanciamento das dívidas das empresas.
A troca de governo deverá ter impacto sobre o câmbio e há expectativa de que os investidores voltem a olhar para o país. A tendência, segundo analistas de mercado, é de a taxa de câmbio prosseguir valorizando nas próximas semanas. Há quem aposte em um dólar a R$ 3,20 e advogue que o Banco Central retome a política de acumulação de reservas cambiais se o ingresso de moeda estrangeira aumentar substancialmente nessa nova fase do país.
Nesse sentido, Meirelles tem sobre sua mesa de trabalho outras duas medidas já prontas a título de sugestão do seu antecessor. Uma que transfere ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a alçada para definir as diretrizes de administração das reservas, hoje à cargo do Banco Central. E outra, que cria uma conta de equalização cambial no BC, para encerrar o processo de transferência dos resultados do BC na gestão das reservas para a Conta Única do Tesouro Nacional.
Ao CMN caberia, segundo a minuta de medida provisória elaborada por técnicos da Fazenda, aprovar o montante de compra de reservas no ano em linha com o impacto fiscal previsto. Cerca de 1 ponto percentual da despesa com juros nominais, que passou de 5,5% do PIB para 8,6% do PIB entre dezembro de 2014 e fevereiro deste ano, decorreu da variação cambial (das operações de swaps). A ideia é que o BC não tenha mais autonomia para produzir custo fiscal para a União. Essa é uma proposta defendida por vários economistas. Para lidar com situações inesperadas, a medida permitiria ao BC solicitar revisão das diretrizes de administração das reservas internacionais.
O relacionamento entre o BC e o Tesouro tem sido, também, objeto de discussões dentro e fora do governo, sobretudo em relação às transferências de resultados do BC, fruto da variação cambial, ao Tesouro. Há parte relevante desse resultado que não se realiza financeiramente e a proposta é de que ele seja apartado em uma conta no BC.
O novo governo terá pouco tempo para fazer as mudanças que o país precisa para voltar a crescer. Todas as energias devem se concentrar na reconstrução da política fiscal, cuja deterioração foi gigantesca. E será a partir da reforma fiscal que o Brasil poderá ter taxa de juros decentes que estimulem o investimento, condição básica para a economia voltar a crescer e gerar empregos.
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