- O Estado de S. Paulo
“Sem meter advogado no meio.” Foi a oferta dita e repetida pelo decano José Sarney ao investigado Sérgio Machado para ajudá-lo a sair da mira da Lava Jato – no mais recente grampo vazado. Foi o clássico conchavo, no qual “dois é reunião e três vira comício”. Sarney propôs uma saída “política” para um problema criminal, mimetizando o que fizera Romero Jucá em conversa com Machado.
É educativo para quem ainda crê que as decisões tomadas em todas as direções num raio de 500 metros a partir da Praça dos Três Poderes são baseadas em critérios técnicos ou na legislação. A conversa prova que – seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário – a troca de favores e o jogo de influência prevalecem sobre qualquer norma legal. Servem-se da lei para intimidar inimigos. Mas seu uso é optativo e de conveniência.
Encomendados por procuradores ao ex-presidente da Transpetro em troca de uma delação premiada com punição amiga, os áudios são exemplos de politicagem explícita. Ao contrário do grampo que levou Delcídio Amaral para a cadeia, o que se ouviu até agora não caracteriza crime em andamento, mas expõe, como raramente se vê por dentro, o jeito de fazer política dos caciques do PMDB. Um jeito que os tem mantido no poder há três décadas.
A ideia de Sarney era, na base da conversa entre amigos, “sem advogado no meio”, tirar o caso de Machado da alçada do juiz Moro e levá-lo ao Supremo Tribunal Federal. Para não dar chance ao azar, só queria envolver Renan Calheiros nessa articulação. Sarney sabe que, se a história vazasse e houvesse mais de dois na sala, nunca teriam certeza de quem a vazou. Como conhece seus pares, não queria correr riscos desnecessários. Não imaginou que o risco maior era o próprio Sérgio Machado e seu gravador.
Apesar de tudo o que revelam, as conversações deixam muitos silêncios. Percebe-se o desejo de Renan, Sarney e Jucá de articularem um “pacto” – na expressão do ex-ministro interino – para precipitar o fim e limitar a extensão da Lava Jato. Mas a maneira como isso seria feito não está totalmente explicitada nas gravações conhecidas até agora. Dá para imaginar os vazios.
Para o trio grampeado por Machado atingir aquilo a que se propõe, o tal pacto passaria, necessariamente, por uma articulação nos três prédios da Praça dos três Poderes: Palácio do Planalto, Congresso e Supremo. Como Dilma Rousseff não foi chamada para a conversa, sua substituição é condição implícita.
Outra necessidade seria que o STF domasse a operação policial, selecionando detenções, arquivando investigações e acelerando o seu calendário para dar um limite e um prazo à Lava Jato.
Finalmente, caberia ao Congresso – além de trocar o presidente – aprovar mudanças na legislação para evitar que o problema se repita no futuro. Para isso, como sugeriu Renan, seriam proibidas as delações de quem já esteja preso. Ou seja, acabariam com o recurso mais usado por Moro e procuradores para conseguir avançar nas investigações e produzir condenações.
Moro se aproxima da centésima condenação. O juiz diz crer que a Lava Jato vai acabar com a corrupção sistêmica no Brasil. Não vai. Como os grampos deixam evidente, nem 100, nem 200 nem mil condenações resolverão o problema. Só uma reforma política, que diminuísse o peso do dinheiro no sistema eleitoral e saneasse o sistema partidário, teria alguma chance de mudar as estruturas que unem políticos e financiadores de campanha contra o estado.
Essa hipótese, porém, é tão improvável quanto a chance de esvaziar a corrupção em Brasília enchendo as celas de Curitiba. Os Sarney, Renan e Jucá jamais aprovarão leis que contrariem seus próprios interesses. Não importa a qual partido pertençam. O mais provável é que o Brasil continue pagando o “pacto”.
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