Com sua primeira vitória no Congresso, a aprovação da nova meta fiscal para este ano, o governo do presidente interino Michel Temer pode iniciar o trabalho de arrumação das contas públicas e, mais importante, de remontagem da política econômica. No fim de uma sessão de mais de 16 horas, deputados e senadores autorizaram, em votação simbólica, um déficit primário de até R$ 170,5 bilhões nas contas do governo central no fim de 2016. Como se prevê superávit de Estados e municípios, o balanço geral do setor público poderá ter um déficit de até R$ 163,94 bilhões. Vencido esse primeiro desafio, a nova equipe terá condições de manter a administração em funcionamento enquanto avança na elaboração e na execução de seu programa de reformas. Era essencial formalizar até o dia 30 a revisão da meta. Sem isso, o governo teria de buscar o resultado inicialmente prometido pela gestão anterior, um superávit primário (sem o gasto com juros) de cerca de R$ 24 bilhões. Para isso seria preciso cortar pagamentos e paralisar boa parte dos serviços públicos.
A equipe governamental afastada no início do processo de impeachment já havia pedido uma ampla mudança da meta, para tornar admissível um déficit primário de R$ 96,65 bilhões. O projeto estava parado no Congresso e, além disso, a revisão dos números indicou, segundo a nova equipe econômica, um cenário muito pior que o descrito naquele projeto. Com a mudança agora aprovada, cria-se uma base provavelmente realista e segura para a manutenção de gastos essenciais, neste ano, mesmo com uma severa revisão dos valores e com a aplicação de tesouradas estratégicas.
Dispor de um orçamento administrável é apenas a condição mínima para o trabalho programado pelo presidente interino e seus principais auxiliares. Vencido o primeiro teste, o governo ainda terá de trabalhar, politicamente, para garantir apoio a projetos muito mais complexos e de alcance muito maior que a programação financeira do ano. Na descrição mais sumária, o desafio principal é repor as finanças públicas numa trajetória segura. Entre 1997 e 2015 a despesa primária do governo – manutenção da máquina, execução de programas e realização de investimentos – cresceu de 14% para 19% do Produto Interno Bruto (PIB). Em outras palavras, o gasto federal aumentou muito mais que a produção de bens e serviços, muito mais, portanto, que a base real da tributação. Isso é obviamente insustentável. Os déficits primários acumulados a partir de 2014 são apenas uma consequência desse desarranjo.
Seria engano muito sério atribuir o buraco nas contas públicas apenas à estagnação e, depois, à contração da economia, como se esses problemas fossem desvinculados da política econômica. De fato, a economia entrou em colapso por causa dos erros acumulados e da crescente insegurança de produtores, investidores e, enfim, dos consumidores.
A ideia de limitar o crescimento da despesa é um bom começo e já havia ocorrido até à equipe anterior, apesar da propensão da presidente Dilma Rousseff e de seu partido para a gastança irresponsável. Mas a forma de conter a expansão da despesa ainda será definida em seus detalhes. Uma proposta completa deverá envolver também os gastos com educação e saúde. Todas essas mudanças dependerão de uma ou mais emendas constitucionais.
A alteração de rumo deverá conduzir à racionalização do uso de recursos e, portanto, a ganhos de eficiência. Mas a ineficiência costumeira facilita negociatas e malandragens variadas. Tornar o gasto público mais seletivo, mais calculado e mais produtivo, com obtenção de mais benefícios públicos para cada real desembolsado, incomodará pessoas e grupos acostumados às benesses da gastança e do populismo.
Não há muita escolha para o presidente interino. Sem descuidar da segurança, ele terá de agir com rapidez na formulação e na apresentação dos projetos, para aproveitar o momento mais favorável ao encaminhamento das mudanças. A demora poderá ser uma bênção para os adversários, tanto ideológicos quanto fisiológicos.
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