- Valor Econômico
• Temer definirá amanhã nomeação do porta-voz
O governo Michel Temer está empenhado em melhorar sua comunicação com a sociedade. Vai recriar o posto de porta-voz da presidência da República e instituir salas de situação para lidar em tempo real com informações que circulam nas redes. O objetivo da estratégia é convencer não só a opinião pública, mas a sociedade como um todo, da necessidade das reformas propostas ao Congresso Nacional para enfrentar a maior crise fiscal da história do país.
Desde que Temer assumiu o cargo de forma interina, em maio, empresários fizeram chegar ao Palácio do Planalto preocupação com a ausência de uma estratégia de comunicação mais ampla, que vá além da relação cotidiana com órgãos de imprensa. Esta se materializou rapidamente: o presidente e seus principais ministros, numa quebra de paradigma quando comparados aos antecessores, têm atendido a imprensa com desembaraço.
Desde julho, Temer participou de três reuniões informais com um grupo criado pelo jornalista Gaudêncio Torquato, para avaliar a repercussão de iniciativas do governo, bem como dos discursos e entrevistas do presidente. Já participaram das conversas, além de Torquato, do secretário especial de Comunicação Social da Casa Civil, Márcio Freitas, e dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Programa de Parcerias de Investimento), o sociólogo Antônio Lavareda, o cientista político Rubens Figueiredo, o marqueteiro Chico Santa Rita, os advogados Ruy Altenfelder e José Yunes, o jornalista Eduardo Oinegue e o historiador Marco Antônio Villa.
No último encontro, Temer chamou Oinegue num canto da sala e, sem fazer rodeios, convidou-o para ser o porta-voz do governo. Os dois voltarão a conversar amanhã, em Brasília, quando Temer retornar de viagem aos Estados Unidos.
O desafio de comunicação do atual governo não é pequeno. No Brasil, é difícil convencer os transeuntes da calamidade das contas públicas. Por quê? Porque nos últimos 13 anos os governos petistas, com exceção do primeiro mandato do presidente Lula, defenderam a ideia de que o saco de onde se tira dinheiro para bancar despesas públicas é sem fundo. Quando se defendeu do processo de impeachment, a ex-presidente Dilma Rousseff chegou a alegar que estava sendo apeada do poder por causa dos problemas sociais que criou, ou seja, porque quis fazer o bem à população pobre.
Para muitos brasileiros, contas públicas são algo etéreo, conversa de economista ortodoxo interessado em assegurar o lucro dos rentistas. É por isso que a maioria diz que são "impopulares" as medidas propostas para enfrentar o desequilíbrio fiscal. Um exame menos apressado mostra que, na verdade, as soluções são "impopulares" apenas para alguns grupos de interesse, corporações e partidos políticos.
Os gastos públicos vêm crescendo desde o início dos anos 90. Na verdade, nenhum governo, desde então, conseguiu reduzir, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), a despesa primária (que não inclui os juros da dívida) do governo central (sem estatais). Uma das razões para esse fato é que a Constituição de 1988, batizada de "cidadã", criou uma série de obrigações, como o atendimento universal da saúde e a previdência rural sem contrapartida de contribuição.
Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que, em 2015, a despesa pública no Brasil estava em torno de 43,3% do PIB, à frente da média das economias desenvolvidas (39,22% do PIB), dos países emergentes (31,54%) e das nações de baixa renda (20,20%). A carga tributária, por essa razão, é também elevada - 32,7% do PIB, frente à média de 36,61% dos desenvolvidos, 27,6% dos emergentes e 16,4% dos países de baixa renda.
Depois de quebrar no início dos anos 80, no episódio conhecido como "crise da dívida", o Brasil aplicou calotes nas dívidas externa e interna e pelejou durante quase três décadas para reorganizar as contas e voltar a ser um bom pagador. Conseguiu esse selo (também conhecido como grau de investimento) em 2008, mas justamente naquele ano o governo começou a desmontar a posição alcançada, sob a justificativa de que a crise mundial obrigara as nações a serem flexíveis.
Depois de um primeiro mandato quase impecável em matéria fiscal, Lula abriu as torneiras em 2009 e 2010, mas foi na gestão Dilma, entre 2011 e 2015, que o gasto mudou de patamar. Nesse período, a despesa primária do governo central saltou de 16,6% para 19,5% do PIB, enquanto a receita líquida caiu de 18,7% para 17,4% do PIB. O déficit nominal de todo o setor público (União, Estados e municípios), que considera as despesas inclusive com juros, pulou de 3% do PIB em dezembro de 2013 para 10% do PIB nos 12 meses até junho deste ano.
Um déficit dessa natureza significa dizer que o governo teve que ir ao mercado, num único ano, tomar emprestado cerca de R$ 600 bilhões para cobrir despesas que foram além do arrecadado com impostos. Esse foi o montante, grosso modo, retirado da economia para bancar o rombo do Estado brasileiro; em vez de ir para o consumo das famílias ou os investimentos das empresas, destinou-se ao consumo do governo. Quanto mais alta é essas despesa, maior são os juros cobrados pelos credores para emprestar ao governo.
Quando analisou a evolução da despesa primária do governo federal de 1991 a 2015, o economista Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, constatou que 65% do crescimento do gasto decorreu de programas de transferência de renda - INSS, Loas/Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego, abono salarial e Bolsa Família. Da elevação de 8,7 pontos percentuais de PIB ocorrida nesse período, transferência de renda respondeu, portanto, por 5,6 pontos percentuais, funcionalismo por 0,4 ponto, saúde e educação por 1 ponto percentual, subsídios por 0,8 ponto e outros por 1 ponto.
É evidente, portanto, que o país precisa urgentemente conter a expansão dos gastos públicos nos próximos anos, sob pena de ver o déficit público crescer mais ainda, provocando mais recessão, desemprego e inflação, e encontrar uma solução para o item da despesa que mais tem pressionado as contas públicas - a previdência. Não é à toa que o governo enviou ao Congresso proposta para impedir que, durante 20 anos, os gastos públicos cresçam mais que a inflação, um projeto para enfrentar o primeiro desafio, e encaminhará ainda este mês proposta de reforma da previdência, destinada a tratar do segundo problema.
O desafio da comunicação será mostrar que as mudanças são necessárias, urgentes, e beneficiarão a maioria dos brasileiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário