• Ex-presidente agora responderá por corrupção e lavagem
Para o juiz, acusação terá de produzir provas ‘acima de qualquer dúvida’ para condenação do petista, da ex-primeira-dama e de outras seis pessoas também incluídas na ação
O juiz Sérgio Moro aceitou a denúncia do Ministério Público e tornou réus o ex-presidente Lula, a mulher dele, Marisa Letícia, e outras seis pessoas no caso do tríplex de Guarujá. Lula, que já é alvo de ação penal por obstrução de Justiça, agora responde por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Moro considerou as evidências suficientes para aceitar a denúncia, mas disse que a acusação terá de “produzir prova acima de qualquer dúvida” para condenação. A Lava-Jato tinha afirmado que Lula é o “comandante máximo” do esquema na Petrobras. O petista voltou a dizer que é alvo de farsa.
Réu agora por corrupção
• Sérgio Moro aceita denúncia contra Lula e diz haver ‘razoáveis indícios’ de crime no caso do tríplex
Cleide Carvalho, Dimitrius Dantas - O Globo
-SÃO PAULO- O ex-presidente Lula se tornou réu por corrupção e lavagem de dinheiro na Lava-Jato, no caso do apartamento tríplex de Guarujá, e será julgado pelo juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal em Curitiba. Lula agora é réu pela segunda vez em ações ligadas à Lava-Jato. Na primeira, na Justiça Federal de Brasília, é acusado de tentar atrapalhar as investigações. No novo processo, responderá pela acusação de ter recebido da empreiteira OAS o imóvel em Guarujá, reformado, segundo a acusação, por orientação do ex-presidente e de sua mulher, Marisa Letícia, que também virou ré na ação.
Lula se disse inocente e atribuiu a aceitação da denúncia de ontem a um “espetáculo de perseguição política” de Moro.
O juiz considerou que os fatos e provas apresentados até agora pelo Ministério Público Federal são suficientes para aceitar a denúncia por corrupção e lavagem, mas usou tom bem diferente do da denúncia e assinalou que a acusação terá de “produzir prova acima de qualquer dúvida razoável”, caso pretenda a condenação. A força-tarefa da Lava-Jato tinha afirmado que Lula é o “comandante máximo” do esquema de corrupção descoberto na Petrobras.
No despacho, Moro ressaltou que aceitar a denúncia não significa “juízo conclusivo” e que é preciso fazer essa ressalva porque a presença do ex-presidente entre os acusados pode dar motivo a “celeumas de toda a espécie”, que devem ocorrer apenas fora do processo. “É durante o trâmite da ação penal que o ex-presidente poderá exercer livremente sua defesa, assim como será durante ela que caberá à acusação produzir a prova acima de qualquer dúvida razoável de suas alegações caso pretenda a condenação”, escreveu ele.
Para Moro, são razoáveis os indícios de que o tríplex foi repassado a Lula pela OAS sem que tenha havido um pagamento pelo imóvel e pelas reformas e benfeitorias realizadas nele. Ele cita “a magnitude do esquema criminoso” descrito na denúncia, inclusive a partir das delações do exsenador Delcídio Amaral e do ex-deputado Pedro Corrêa, e conclui: “Tais elementos probatórios são questionáveis, mas, nessa fase preliminar, não se exige conclusão quanto à presença da responsabilidade criminal, mas apenas justa causa”.
Além de Lula e Marisa, também se tornaram réus o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto; e cinco pessoas ligadas à empreiteira: o ex-presidente Léo Pinheiro e os executivos Paulo Gordilho, Agenor Franklin Magalhães Medeiros, Fábio Hori Yonamine e Roberto Moreira Ferreira.
O processo ameaça o projeto eleitoral do expresidente. Caso seja condenado por Moro e, depois, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em segunda instância, Lula se tornará inelegível por oito anos, pela Lei da Ficha Limpa.
Sobre a denúncia de lavagem de dinheiro contra Marisa Letícia, Moro escreveu que houve contribuição dela para a aparente ocultação do real proprietário do tríplex, mas que deve haver “melhor reflexão” no decorrer do processo, e que há dúvidas se ela sabia que os benefícios decorriam de acertos de propina do esquema na Petrobras. Estava em nome de Marisa a cota da Bancoop que correspondia ao apartamento 141 do Edifício Solaris e que foi paga até 2009, quando o prédio foi transferido para a OAS.
Depois disso, os pagamentos feitos por Marisa Letícia cessaram, e, para o MPF, o apartamento convencional de três quartos foi posteriormente trocado pelo tríplex, que foi reformado pela OAS e decorado para atender o casal.
Uma das principais provas de que a decoração do tríplex e a cozinha do sítio de Atibaia atenderam a desejos de Lula e Marisa, citadas por Moro no despacho, é uma troca de mensagens entre Léo Pinheiro e Gordilho, em fevereiro de 2014, mostrando que o casal aprovou as reformas no apartamento e também no sítio.
Ao apresentar a denúncia contra Lula, semana passada, o procurador Deltan Dallagnol ressaltou, várias vezes, que as provas levavam a crer, “acima de qualquer dúvida razoável”, e que Lula era o “comandante máximo” do esquema de propinas implantado na Petrobras. O MPF, no entanto, não imputou ao ex-presidente o crime de associação criminosa. Para Moro, a omissão é plausível porque tal fato está em apuração no Supremo Tribunal Federal (STF). “A suposta associação também envolveria agentes que detêm foro por prerrogativa de função e em relação ao ex-presidente não teria havido desmembramento quanto a este crime”, explicou.
A ação contra Lula, ressaltou Moro no despacho, diz respeito a R$ 3,7 milhões que Lula teria obtido como vantagem da OAS por conta de uma fração da propina devida pela construtora ao PT. Parte do valor, diz a denúncia, refere-se à compra e a reformas no tríplex, assim como o armazenamento do acervo presidencial. Ainda segundo a denúncia, o grupo OAS, assinou entre 2003 e 2015 contratos com a administração pública federal de R$ 6,8 bilhões, 76% com a Petrobras.
No despacho, Moro lembrou que os valores de vantagens indevidas apontados pelo MPF aparentam ser desproporcionais com a magnitude do esquema criminoso na Petrobras, mas não justificaria rejeição da denúncia. “Não descaracterizaria o ilícito, não importando se a propina imputada alcance o montante de milhares, milhões ou de dezenas de milhões de reais”, afirmou Moro.
“Real titularidade”
Em relação ao tríplex, Moro afirmou que há indícios de que Lula e Marisa receberam o imóvel da OAS em 2009 e que a empreiteira pode ter se mantido como proprietária formal para ocultar a “real titularidade”. Reportagem do GLOBO de 10 de março de 2010, com o título “Caso Bancoop: tríplex do casal Lula está atrasado”, é usada como indício. Na época, a informação não foi contestada pela assessoria do então presidente. “Procurada, a Presidência confirmou que Lula continua proprietário do imóvel”, dizia a reportagem.
“Não obstante, se, como afirma o MPF, o imóvel já tinha sido atribuído ao ex-presidente em 2009, ainda durante o mandato presidencial, então, já naquela época, teria havido consumação da prática dos crimes, apesar da formal manutenção do bem em nome do vendedor, esta para ocultar e dissimular o real proprietário”, afirmou o juiz.
Moro afirma que é possível que a transferência do tríplex para Lula e Marisa tenha sido interrompida pela prisão preventiva de Léo Pinheiro pela Lava-Jato, ocorrida em novembro de 2014, logo após o término das reformas no tríplex. Ele lembra ainda que o sítio de Atibaia, alvo de outra investigação, também não está em nome de Lula.
Quanto ao pagamento feito pela OAS à Granero para armazenar o acervo presidencial, de R$ 1,3 milhão, Moro disse que Okamotto já admitiu o fato em recurso apresentado à Justiça. Lembrou que o objeto do contrato foi ocultado, ao ser descrito como “materiais de escritório e mobiliário”, e que a possibilidade de ser repasse de propina muda o caráter do pagamento, que poderia ser apenas uma contribuição privada: “Não se trataria, portanto, de mera doação por desprendimento".
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