Não é segredo que doação de empresa para campanha política gera graves distúrbios no funcionamento das instituições democráticas. Era tão evidente esse caráter prejudicial do financiamento da política por pessoas jurídicas que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, em setembro de 2015, sua inconstitucionalidade.
A decisão da Suprema Corte modificou o enquadramento jurídico do tema: depois de setembro de 2015, as empresas ficaram proibidas de fazer doações a partidos e a candidatos. Reconhecer essa mudança significa, ao mesmo tempo, afirmar que, antes da decisão do STF, por mais que as doações de empresas gerassem efeitos deletérios na vida pública nacional, elas eram permitidas pelo ordenamento jurídico. Ou seja, era lícito o financiamento da atividade político-partidária por meio das doações de pessoas jurídicas.
O reconhecimento dessa mudança no tratamento legal é de suma importância. Observa-se atualmente uma tentativa de criminalizar todas as doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas sob o argumento de que elas causaram graves prejuízos para a vida institucional. Esse movimento é nítido em alguns círculos próximos à Operação Lava Jato.
É incontestável que as doações de pessoas jurídicas têm efeitos nefastos sobre a vida pública. Tanto é assim que o STF, reconhecendo a incompatibilidade dessa prática com o sistema representativo previsto na Constituição, declarou sua inconstitucionalidade. No entanto, a descoberta desses efeitos deletérios não tem o condão de transformar a licitude de doações pretéritas. O que antes era lícito continua sendo lícito.
Ao mesmo tempo, o que antes era ilícito continua sendo ilícito. Por exemplo, antes de setembro de 2015, os partidos políticos já eram obrigados por lei a contabilizar as doações recebidas. Quem não contabilizasse o dinheiro recebido – a prática de caixa 2 – infringia a legislação eleitoral e submetia-se, assim, às penalidades próprias da Justiça eleitoral. Nesse sentido, é imoral e altamente prejudicial ao bom andamento das instituições democráticas a tentativa de anistiar a prática de caixa 2 em campanha eleitoral. Seria uma indulgência contraproducente com quem voluntariamente desrespeitou as regras do jogo democrático.
Quando políticos manobram para incluir, no pacote anticorrupção discutido no Congresso, uma anistia ao caixa 2 eleitoral, eles estão admitindo explicitamente a existência, no ordenamento jurídico, da tipificação desse crime. Se não houvesse tal tipificação, seria desnecessária qualquer discussão em torno da anistia. A aspiração pela anistia do caixa 2 eleitoral apenas explicita a consciência de sua ilicitude.
A lei vale para todos. Desse princípio decorre tanto a imoralidade da anistia como a imoralidade de tratar tudo como se fosse crime. Além de injusta – pois trataria igualmente situações desiguais perante a lei –, a criminalização indiscriminada de todas as doações eleitorais tem a grave consequência de dizimar a vida político-partidária do País.
Naturalmente, ninguém admite a pretensão de criminalizar todas as doações eleitorais. O discurso é mais sofisticado e parte do bem-intencionado pressuposto de que caberia a quem recebeu as doações verificar a licitude da origem dos recursos recebidos. Ora, tal responsabilidade simplesmente não existe.
Os partidos e candidatos políticos que receberam doações de empresas tinham o dever tão somente de registrá-las conforme os ditames da lei eleitoral. Eventual origem ilícita é responsabilidade de quem doou. Logicamente, outra coisa bem diferente é a pretensão do PT, por exemplo, de alegar que as doações recebidas eram lícitas simplesmente porque foram contabilizadas. Se foram fruto de extorsão ou propina – como apontam as denúncias –, é simplesmente impossível que tenham sido doações lícitas, já que nem eram doações.
Este não é um tema simples e merece um sereno discernimento. Afinal, dele dependem tanto a continuidade da vida democrática do País como o rompimento com a cultura da impunidade.
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