sábado, 26 de novembro de 2016

Recessão joga mais 3,6 milhões na pobreza

• Em 2015, famílias de todas as classes sociais amargaram perda de renda, o primeiro recuo em 11 anos

A recessão na qual o país mergulhou em 2015, no governo Dilma, levou à primeira queda de renda dos brasileiros em 11 anos, revela a mais nova Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Revertendo tendência de uma década, o número de pessoas vivendo em situação de pobreza aumentou em 3,6 milhões, ou 19,3%, calcula o economista Marcelo Neri. Um terço dos lares continua sem rede de esgoto, mas o Brasil já tem mais de 100 milhões de internautas.

Mais 3,6 milhões na pobreza

• Recessão provoca em 2015 a primeira queda de renda das famílias brasileiras em 11 anos

Cássia Almeida, Lucianne Carneiro, Daiane Costa, Thays Lavor e Daniel Gullino – O Globo

A recessão de 3,8% no ano passado jogou 3,6 milhões de brasileiros na pobreza, condição de vida agora de 10% da população do país. Os cálculos, inéditos, são do diretor da FGV Social, Marcelo Neri, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, que o IBGE divulgou ontem. A alta foi expressiva, de 19,33%, invertendo uma tendência que vinha desde 2004, de queda média anual de 10% na pobreza. No total, há 20,5 milhões de pobres no Brasil. A miséria aumentou mais ainda: 23,4%, arrastando à pobreza extrema mais 2,7 milhões de pessoas, o que representa 2,9% da população.

O maior levantamento socioeconômico anual do país mostrou a primeira queda na renda do trabalho em 11 anos, de 5%, perda que sobe a 7,2% quando considerado o rendimento per capita das famílias. Houve ligeiro recuo da desigualdade e mais 2,8 milhões de desempregados. Esse mesmo retrato trouxe a boa notícia de mais crianças de 4 a 5 anos na escola (84,3%), mas uma estagnação na frequência dos adolescentes em 85% da população nessa faixa etária.

O acesso ao saneamento básico acelerou levemente. Porém, mais de um terço dos lares continua sem rede coletora de esgoto. Enquanto o país cruzou a barreira de 100 milhões de internautas, o número de casas com computadores caiu pela primeira vez desde 2004. Nas características da população, pela primeira vez o número de brasileiros pardos se igualou ao dos que se declaram brancos.

RETRATO ANTECIPA 2016 DE NÚMEROS PIORES
O retrato da pobreza e da desigualdade deve piorar quando os números de 2016 forem divulgados, segundo Neri. A recessão não deu trégua e o PIB deve cair mais 3,4%. Os dados já mostram que a desigualdade, uma das maiores mazelas brasileiras, intensificando o aumento da pobreza:

— O ajuste continuará em 2016, afetando também o indicador de desigualdade, depois de 14 anos de redução contínua. Em 2016, vamos perder nas duas frentes.

A queda de 10,15% do rendimento dos 10% mais pobres explica esse aumento na pobreza e na miséria. A renda do trabalho minguou e o Bolsa Família, destinado a essa fatia da população, não teve reajuste em 2015, ano em que a inflação foi de 10,67% — corroendo os ganhos principalmente de quem tem menos.

A crise, porém, não poupou ninguém. Todas as faixas de renda tiveram perdas significativas. Embora na base da pirâmide a perda tenha sido maior, o recuo foi menor entre a metade mais pobre da população do que entre os 50% mais ricos, o que levou à leve queda da desigualdade, num processo que vem desde 2001. O índice de Gini (quanto mais perto de 1, mais concentrada é a renda) caiu de 0,490 para 0,485 quando considerado o rendimento do trabalho. Apesar da aparente boa notícia, Maria Lúcia Vieira, gerente da Pnad, explica que as razões não são positivas, pois há perda de renda em todos os grupos:

— A redução da concentração de rendimentos é boa quando há uma situação mais homogênea para todos. Quando todo mundo perde, fica pior para todo mundo. Caiu, mas não melhorou a situação das pessoas.

Para o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naércio Menezes Filho, o salário mínimo explica essa queda na desigualdade:

— Mesmo com a crise, o salário mínimo continuou aumentando de acordo com a inflação. Esse aumento não alcança os mais pobres, mas o meio da pirâmide de renda, no mercado de trabalho especialmente. Mesmo assim, essa queda foi um pouco menor do que na recessão de 1999, quando a renda caiu 9%. Nessa recessão, está caindo menos que o PIB per capita (queda de 4,6%), apesar do aumento do desemprego ter sido maior.

A realidade dentro dos lares reflete esse retrocesso social, que se estende a 2016. Arroz, farinha, ovo, café e mortadela é a dieta da família de Maria Luzia dos Santos Rafael, de 42 anos. Morando no bairro Bom Jardim, em Fortaleza, em uma casa com três cômodos com as duas filhas, genro e três netas, ela é a provedora da família. Aposentada por invalidez, recebe um salário mínimo. Paga o aluguel de R$ 250, luz (R$ 60) e os outros gastos da família.

— E assim que a gente vai vivendo. Eu me aposentei cedo, dentre as doenças que tenho coloque aí o HIV — lamenta Luzia.

As filhas e o genro não contam com qualquer benefício social, apenas com a solidariedade de Luzia. Francisco André Barbosa do Nascimento, de 37 anos, está desempregado. Ele conta que há meses procura qualquer ocupação, mas nada tem aparecido. Nascimento é um dos 10 milhões de desocupados que a Pnad mostrou. A taxa de desocupação subiu de 6,9% para 9,6% no ano passado:

— Eu faço tudo, sou vendedor, servente, trabalho com qualquer serviço, mas parece que tudo sumiu, ninguém está chamando para nada. Assim fica difícil, a gente vive só com a ajuda de Deus e com a sensibilidade de algumas pessoas que nos ajudam.

Na casa da família de Luzia, falta quase tudo. A casa é de chão batido e pouca luz, a água não é encanada, televisão não existe. De eletrodomésticos, só fogão e geladeira. No quarto, uma cama e a rede para todos.

A forte queda de renda dos mais pobres é um alerta para a necessidade de aumento dos programas sociais, diz Marcelo Medeiros, professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mesmo em um contexto de ajuste, ele lembra que o gasto com os mais pobres é pequeno diante de outras despesas do governo, como a Previdência, e defende prioridade para a questão.

— Se temos uma queda desta magnitude para os mais pobres, é preciso aumentar os programas sociais para criar uma rede de proteção. A hora não é de fazer economia com os mais pobres. Economizar com pobres é economizar migalhas, o gasto mais pesado no Brasil é com os mais ricos. Se isso não for feito, haverá forte pressão de aumento da pobreza e da população de baixa renda — afirma o professor Medeiros.

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