sábado, 26 de novembro de 2016

Um prédio em Salvador - Míriam Leitão

- O Globo

O país em crise, e o governo mobilizado por um prédio. A queda do ex-ministro Geddel reduziu um pouco o clima de tensão que havia chegado ao auge na quinta-feira, mas o episódio mostrou uma sucessão de erros e desvios. Na hora de se defender, o governo se complicou e exibiu uma inaceitável mistura entre privado e público. O país em crise, e o Planalto mobilizado por um prédio em Salvador.

Há uma dinâmica nas crises como a do ex-ministro Geddel. Quando o governo demora a demitir um ministro envolvido em um escândalo, o assunto entra no Palácio do Planalto e se transforma em turbulência no próprio governo. Neste caso, foi mais grave pela revelação do ex-ministro Calero de que o presidente Temer entrou no assunto para pressioná-lo a liberar o imóvel embargado pelo Instituto do Patrimônio Histórico. Assim, nem mesmo a demissão de Geddel Vieira Lima resolve completamente o problema.

Segundo o porta-voz do presidente, Alexandre Parola, Temer se envolveu porque queria “solucionar impasse na sua equipe e evitar conflitos entre seus ministros”. Presidentes fazem isso, claro, mas quando a divisão é sobre uma questão de Estado. O que levou Temer a jogar a sorte do seu governo na defesa do interesse particular de um dos seus ministros é um mistério, mas revela-se neste caso um quadro assombroso: o presidente, o ministro-chefe da Casa Civil, um assessor da Presidência se mobilizaram na defesa de um investimento imobiliário do então ministro da Secretaria de Governo, quando deveriam estar todos trabalhando para administrar a maior crise da história do Brasil.

Esta semana aprofundou-se a crise política. Ela tem várias dimensões, e uma é o divórcio entre a sociedade e os seus representantes no Congresso. Na Câmara, está sendo urdida, com a liderança do próprio presidente da Casa, a aprovação de uma medida de proteção dos políticos acusados de Caixa 2 eleitoral. O que piora o caso é o simbolismo de esse perdão estar sendo pendurado no projeto de iniciativa popular para combater a corrupção, que carrega o peso de 2,5 milhões de assinaturas. O Congresso tem o hábito de aproveitar a tramitação de projetos e pendurar ideias que não consegue aprovar de outra forma. Neste caso foi pior. O projeto era para proteger o país da corrupção e foi apresentado ao Legislativo após mobilização popular e querem transformá-lo em veículo de proteção dos políticos. A sociedade pede algo, e os políticos tramam entregar o seu contrário.

No Senado, o senador Romero Jucá usou sua esperteza para enganar até seus pares. O plenário derrubou o artigo da nova lei de repatriação que permitia a utilização do mecanismo por parentes de políticos, mas sem o artigo o texto acabou não fazendo referência ao assunto. No silêncio da lei ficou então autorizado o que os senadores tentaram proibir. Foi uma manobra em que se revogou o voto dos parlamentares.

O que espanta são os métodos e não o movimento dos políticos para a autodefesa. Já se sabia que isso aconteceria. Os próprios procuradores que sugeriram as medidas de combate à corrupção e que, após as coletas de assinaturas, chegaram ao Congresso com o projeto de iniciativa popular haviam avisado que em certo momento os políticos tentariam se proteger. O procurador Deltan Dallagnol contou várias vezes que na Operação Mãos Limpas, na Itália, os parlamentares aprovaram uma lei que proibia a prisão preventiva em casos de corrupção. Ficou conhecida pela alcunha de “lei salva ladrões”.

A insistência do presidente no Senado, Renan Calheiros, de votar o que ele chama de projeto contra o abuso de autoridade é mais um passo desse movimento de proteção dos políticos. É claro que os poderes devem ter limites e nenhum abuso de autoridade pode ser permitido, mas o projeto quer inibir a ação do Judiciário e do Ministério Público. Não deveria ser proposto agora, muito menos pelo senador Renan, alvo de 12 investigações no Supremo Tribunal Federal.

Os políticos estão ocupados em se salvar, e o governo ficou uma semana paralisado por uma crise criada por ele mesmo em torno de um empreendimento imobiliário. Na vida real, a economia que tinha ensaiado uma melhora voltou a piorar.

Nenhum comentário: