- Valor Econômico
• Acidente condiciona a escolha de Temer e o aval do Senado
Não é surpreendente que a morte de Teori Zavascki, ministro relator da Lava-Jato, às vésperas de procedimentos para acelerar a homologação de delações que aumentam o impacto da Operação no meio político e empresarial, entre no umbral das suspeitas. Para isso não são necessários indícios, não conta a lógica, prescinde-se do exame dos fatos.
Pelo mesmo roteiro passaram tragédias de outros tempos, como as mortes dos ex-presidentes Castello Branco, Juscelino Kubitscheck e Tancredo Neves e o acidente que vitimou Eduardo Campos. Todas suscitaram narrativas lendárias, sem que nada cabal fosse comprovado posteriormente. A mitologia que pode cercar uma morte repentina, contudo, tende a ser mais perigosa nos dias de hoje.
A teoria da conspiração persistirá, ainda que se comprove que a queda do avião estava relacionada às péssimas condições meteorológicas de Paraty, como parece mais provável. Na era do pós-verdade, palavra em voga no momento, a sombra sobre a tragédia de Teori será alimentada pelo turbilhão das redes sociais.
O papel central que Teori exercia nas investigações da Lava-Jato joga pressão sobre o presidente e o Senado. Uma indicação para o STF pode demorar oito meses para ser feita, como aconteceu em relação a Edson Fachin, no ano retrasado. A aceleração da crise provocada pela Lava-Jato foi exatamente um dos motivos que levaram Dilma a retardar a indicação do substituto de Joaquim Barbosa, que se aposentou antecipadamente em 2014.
É mais provável que o destino dos processos que estavam sob a guarda de Teori termine nas mãos de Carmen Lúcia que nas de Temer, o que não deve diminuir a intenção presidencial de acelerar esta sucessão. Razoável supor, entretanto, que o presidente irá aguardar alguma informação das razões da catástrofe. Em sua nota oficial, o presidente do Senado, Renan Calheiros, réu no Supremo Tribunal Federal, pediu "o rápido esclarecimento das causas desse trágico acidente".
A menção feita por Renan sugere que o senador alagoano, provável futuro presidente da Comissão de Constituição e Justiça, onde será sabatinado o novo ministro do Supremo, talvez não se sinta confortável em acelerar a sabatina.
O endosso internacional recebido pela Lava-Jato, simbolizado na recepção que Rodrigo Janot teve em Davos, indica que o sucessor de Teori não pode ser um inimigo declarado dos métodos de
Curitiba e da PGR. A hipótese mais concreta é que seja um magistrado de linha dura e as circunstâncias devem aumentar o custo de qualquer manobra que o Senado pode vir ser tentado a fazer.
Temer
A cena aconteceu há muitos anos, quando Marcos Willians Herbas Camacho vivia de pequenos furtos na baixada do Glicério e cheirava cola nos momentos de descanso. No pavilhão 8 da Casa de Detenção, o dos reincidentes, o traficante Antonio Carlos Pereira se revoltou ao saber que não ia progredir na execução de pena, atirou um prato de comida no chão e deu início àquela que foi considerada a primeira rebelião de presos em vários pavilhões, em 21 de março de 1985.
Em meio a colchões queimados, móveis destruídos e tumulto, presos enlouquecidos com aguardente tentaram chegar ao pavilhão cinco, onde ficavam os delatores. O diretor da Casa de Detenção soldou a porta e a ROTA ocupou o pátio interno do presídio. Se os policiais entrassem dentro dos pavilhões, haveria um massacre de enormes proporções, segundo declarou o secretário de Segurança à época, Michel Temer.
Onze presos morreram na ação de contenção da ROTA, enquanto Temer e o secretário de Justiça, José Carlos Dias, passaram horas em uma negociação com uma comissão de presos e magistrados. Enquanto acontecia a conversa, cortou-se luz e água do presídio.
"Vencemos pelo cansaço", relembrou Temer sete anos depois, quando novamente ocupou a secretaria de Segurança, na esteira de uma grande crise, no caso o maior massacre cometido por policiais na história brasileira, em 1992. "Ficamos lá a madrugada inteira e conseguimos controlar tudo. Foi a mais violenta rebelião que já vi", disse o então secretário em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo".
Naquele 1985, em que Zé Roberto da Compensa foi preso pela primeira vez tentando aos doze anos vender 25 gramas de cocaína, a Casa de Detenção acumulava 6,2 mil presos, quase o dobro das 3,5 mil vagas. Maconha e pó eram vendidos livremente dentro dos muros, a progressão para o regime de albergue podia ser conseguida por vinte mil cruzeiros e presos jovens, sem antecedentes, eram vendidos pelos xerifes das celas, com direito a ter o nome de seus donos tatuados no pé.
Em dois momentos o descalabro nas cadeias projetou politicamente o integrante do Ministério Público que hoje preside o país. Tanto em 1985 quanto em 1992 Temer jogou o papel moderador. No primeiro caso, em dupla com Dias, esteve no comando de uma das áreas mais criticadas no governo Montoro, o de segurança pública e de direitos humanos.
No segundo, socorreu um governo Fleury que ficaria marcado para sempre pelo massacre e que teve que dar naquele instante um cavalo de pau em sua política de segurança. Temer já assumiu a secretaria de Segurança sem a área da administração penitenciária, que passou a ser administrada por uma secretaria específica. Coube a Temer controlar a Polícia Militar, não os cárceres, o que o eximiu de ser o parteiro do PCC, criado em 1993 na Casa de Custódia de Taubaté.
Como secretário de Segurança, agiu apostando que os problemas se exaurissem sozinhos. O presidente se encontra com uma crise carcerária pela terceira vez em sua carreira. Os exemplos mostram que se trata de alguém que joga com o tempo para que as coisas se pacifiquem.
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