Poucos ousariam prever que um líder chinês ocuparia a tribuna do Fórum Econômico Mundial, em Davos, para defender o livre-comércio e a globalização, enquanto seu congênere americano advogaria por uma agenda protecionista.
Tal inversão no tradicional encontro que reúne a elite econômica do planeta, identificada com o liberalismo cosmopolita ocidental, é prova inconteste de que passa por profundas transformações a ordem mundial estabelecida e liderada pelos EUA no pós-guerra.
A chegada de Donald Trump à Casa Branca e o resultado do referendo pela saída do Reino Unido da União Europeia evidenciam que o protecionismo e o populismo estão em ascensão.
Refletem a frustração de parcelas crescentes da sociedade com a distribuição desigual dos benefícios da globalização e do avanço tecnológico, mas não correspondem a uma solução verdadeira.
A globalização, de fato, produz vencedores e perdedores. Entre os primeiros estão as empresas multinacionais, que obtêm margens de lucro elevadas ao levar a produção para locais com mão de obra barata e tributação mais baixa.
Também estão, naturalmente, as elites dos países desenvolvidos e centenas de milhões de pessoas que, devido sobretudo à transformação da China na maior plataforma exportadora do mundo, ascenderam à classe média nos países em desenvolvimento.
Enquanto isso, a tradicional classe média encolhe e, pela primeira vez na história, a maior parte desse segmento populacional acredita que seus filhos terão piores condições de vida –e que os governos nada fazem por eles.
Como afirmou a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, a classe média aumenta em número no mundo, mas diminui nos países ricos. Não surpreende, portanto, que ganhem força os políticos que prometem defender o contrato social ora abalado na Europa e nos EUA.
Pouco importa que estudos apontem os avanços tecnológicos, e não a globalização em si, como a maior razão para a destruição de empregos. Grassam propostas contrárias à liberdade de movimentação de bens, serviços e pessoas.
De nada adianta desqualificar os anseios da população desiludida. Se a vitória de Trump representou um choque –e que pode ser magnificado após sua posse–, outros talvez ocorram na Europa com as eleições na França, na Holanda e na Alemanha. Não só os imigrantes se encontram ameaçados; a própria União Europeia se vê em risco.
Para vencer o populismo no mundo rico, serão necessárias ações inequívocas destinadas a reparar a concentração de renda crescente e requalificar em larga escala os trabalhadores que ficaram para trás.
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