- O Estado de S. Paulo
Os analistas políticos e econômicos estão todos na situação dos embaixadores de Alexandria, tal como relatada no poema de Konstantinos Kaváfis.
A história de que trata o poema aconteceu no século 1.º antes de Cristo. Os dois irmãos Ptolomeus que lutavam pelo poder no Egito enviaram embaixadores, com valiosos presentes, para o santuário de Delfos a fim de consultar o oráculo de Apolo sobre qual dos dois devesse ocupar o trono. Semanas se passaram e nada de sair o oráculo.
Aquilo deixava os embaixadores exasperados, até que um dia, mesmo sem o oráculo, os embaixadores sumiram de Delfos. Por que desistiram? Ora, Roma já havia escolhido o novo rei do Egito e o recado de Apolo já não teria nenhuma importância.
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, chega nesta sexta-feira à Casa Branca sem ter antes disputado um único cargo eleitoral sequer e se julga desobrigado dos compromissos tanto do Partido Republicano quanto do sistema propriamente dito. Ninguém sabe até que ponto sua retórica demolidora será transformada em políticas de governo. Daí a exasperação geral.
Trump foi eleito graças ao voto dos desfavorecidos da globalização, importante segmento da classe média formada por trabalhadores de baixa qualificação que se sentem prejudicados, em seus empregos e seus salários, pela importação de produtos de baixos preços da Ásia (especialmente da China) e do México.
Trump garante muitas coisas. Garante que construirá o muro ao longo da fronteira com o México e que levará os mexicanos a pagar por ele. Garante que revogará tratados comerciais e instituirá impostos de 35% sobre a importação de veículos e outros produtos que vêm destruindo empregos nos Estados Unidos. E garante que favorecerá a implosão da União Europeia, para que deixe de fazer o jogo contrário aos interesses dos Estados Unidos.
Se os inimigos da hora deixaram de ser os russos e são agora os chineses e, eventualmente, os mexicanos; se a Europa não pode mais contar com o guarda-chuva da Otan; e se a ordem instituída após a 2.ª Grande Guerra tem de ser revista – então o governo Trump estará revirando o mundo pelo avesso.
Parece fora de dúvida de que procurará agora retribuir a seus eleitores pelo mandato que lhe conferiram. No cumprimento da agenda America first, duas são as principais hipóteses. Ou fará o que prometeu e, nesse caso, além de inviabilizar seu governo, correrá o risco de não se reeleger, porque terá produzido um pandemônio; ou se limitará a dar uma satisfação a seus eleitores mais com medidas de efeito especial do que de conteúdo, e tentará tocar o resto, de acordo com os ditames do bom senso e da realpolitik. Parece mais provável esta segunda hipótese.
Muitos argumentam que as instituições americanas são fortes o suficiente para impedir que um inquilino despirocado da Casa Branca destrua o que estiver em pé. A história mostra que isso conta. Mas não dá para saber de quanto será capaz um livre atirador, como Trump, uma vez na posse da maleta nuclear e do resto.
Enfim, os embaixadores esperam não propriamente o oráculo de Apolo, nem as determinações de César, mas as decisões do império. E elas podem abalar o mundo.
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