- O Globo
Mais uma vez o realismo mágico interfere nos destinos nacionais, de maneira brutal. A morte trágica do ministro Teori Zavascki, às vésperas de homologar as delações premiadas de Marcelo Odebrecht e associados, parece saída do mesmo autor da doença e morte de Tancredo Neves às vésperas de assumir a Presidência da República, em 1985. Uma urdidura dos diabos, na definição de um ministro do STF.
Assim como, naquela ocasião, a presença de Tancredo era uma garantia da transição para um regime civil sem maiores percalços, a presença de Zavascki à frente dos processos da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) era uma garantia de que o desfecho se daria dentro da ordem legal, sem atropelos nem postergações.
Sem contar que na mesma região outra morte trágica de contornos misteriosos ocorreu, com repercussões políticas fortes: a de Ulysses Guimarães, numa queda de helicóptero, e cujo corpo nunca mais foi encontrado. Agora, não há solução fácil, e todas as teorias de conspiração estão soltas no ar, na rede mundial.
Qualquer solução que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, venha a tomar será interpretada politicamente. A hipótese de que ela avoque para si a relatoria dos processos da Lava-Jato é aventada pelos que consideram que apenas ela, no momento, teria condições de levar adiante os processos sem criar desconfianças.
Não é provável que o faça, mesmo que se lembre que o ex-ministro Joaquim Barbosa avocou para si a relatoria do mensalão quando assumiu a presidência do STF. Mas Barbosa era o relator da matéria, e mesmo assim foi criticado. O menos provável é que ela decida esperar a nomeação do novo ministro pelo presidente Michel Temer para fazê-lo sucessor da relatoria da Lava-Jato, como está previsto no regimento interno do STF. Daria panos para as mangas, com o próprio presidente tendo sido citado em delações premiadas. Se sua citação é indireta até o momento, vários de seus assessores estão envolvidos nas delações, alguns de maneira direta.
O PMDB é, junto com o PT, o partido que mais aparece nas delações premiadas da Lava-Jato, além de partidos de sua base aliada como o PSDB e PP, o que levantará imediatamente suspeitas sobre o indicado. Mas já há pressões políticas para que o presidente não perca essa oportunidade de fazer o relator do processo da Lava-Jato. Será um tiro no pé se o fizer.
A hipótese de redistribuição dos processos urgentes, prevista no regimento, através de sorteio entre os membros do pleno do STF, é uma decisão possível, mas existe outra alternativa, que já está sendo negociada nos bastidores: redistribuir para a 2ª Turma, que trata do tema.
Ela reúne os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello. Essa pode ser a solução mais simples, pois a 2ª Turma está, na linguagem jurídica, preventa, isto é, por já tratar do caso, torna-se automaticamente a responsável por ele.
Como, com a morte de Teori, ela tem que ser preenchida, tanto pode aguardar a nomeação do novo ministro, que herdaria o lugar de Teori e seus processos e relatorias, ou um ministro da 2ª Turma pode ser deslocado para preencher a vaga. Nesse caso, também herdaria os processos de Teori.
Já houve um caso, quando o ministro Dias Toffoli trocou de turma para preencher a vaga deixada por Joaquim Barbosa. Como a então presidente Dilma Rousseff demorara a indicar o substituto, os próprios ministros da 2ª Turma fizeram um acordo para que a Operação Lava-Jato não ficasse paralisada, e também para proteger o novo ministro, evitando suspeitas de que ele fora indicado para interferir nas investigações. Exatamente a mesma situação atual.
O ministro Luiz Edson Facchin, nomeado para substituir Joaquim Barbosa poderia agora se deslocar da 1ª Turma, formada ainda pelos ministros Luís Roberto Barroso — presidente —, Marco Aurélio, Luiz Fux e Rosa Weber. Pela proximidade com o falecido ministro Teori, assumiria assim os processos da Operação Lava-Jato num acordo interno.
O ministro Teori Zavascki não era uma figura popular nem muito conhecida, por decisão própria, e refugiava-se na timidez para evitar muitas conversas, mas sabia o que queria. Conhecia bem o funcionamento administrativo do Supremo, pois vinha de outro tribunal superior, o STJ (Superior Tribunal de Justiça). Desde o início do processo da Operação Lava-Jato, sabia que o ritmo do STF seria desigual ao da primeira instância de Curitiba, mas não considerava esse um obstáculo. Queria apenas garantir que os processos seguiriam seu ritmo normal, sem interferências indevidas. Sua presença garantia essa segurança.
Colocou um sarrafo bem alto para seu substituto na tarefa tão espinhosa de levar avante os processos da Lava-Jato.
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