Por Ribamar Oliveira, Marta Watanabe e Eduardo Campos | Valor Econômico
BRASÍLIA E SÃO PAULO - Uma decisão do Supremo Tribunal Federal criou uma nova disputa bilionária entre os Estados e a União. O STF determinou em novembro, por unanimidade, que o Congresso Nacional aprove, em 12 meses, lei complementar com novas regras para a União ressarcir os governos estaduais e prefeituras pelas perdas da Lei Kandir, que isentou as exportações de produtos primários e semielaborados do recolhimento do ICMS, o que provocou perda de receita para Estados e municípios.
O principal embate é sobre o entendimento que deve prevalecer quanto ao teor da decisão do Supremo. O governo federal considera que a União não terá de ressarcir retroativamente os Estados pelas perdas. "Em nenhum momento, o STF disse que existe pendência em relação ao passado", disse ao Valor o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia.
O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), pensa de forma diferente. Em nota enviada ao Valor, ele estimou que as perdas acumuladas pelo Estado com a Lei Kandir somam R$ 92 bilhões. Por isso, estuda recorrer à Justiça para suspender o pagamento da dívida com a União enquanto o Congresso não aprovar a forma de compensação determinada pelo Supremo. O governo mineiro estima que o valor que tem a receber é maior que o débito do Estado com o governo federal.
Se prevalecer esse entendimento, a União terá uma conta extra avaliada em cerca de R$ 250 bilhões. Ainda que não prevaleça essa posição, que alguns secretários de Fazenda consideram "delirante", por contrariar a Lei Complementar 87, a disputa pode criar um problema fiscal para o governo federal. As novas regras que o Congresso deve estabelecer por determinação do Supremo criarão despesas adicionais para o Tesouro, que terão de se enquadrar no teto do Orçamento fixado pela "PEC dos gastos". Atualmente, a União transfere R$ 3,2 bilhões por ano para Estados e municípios por conta da Lei Kandir.
STF provoca nova disputa entre União e Estados
Uma nova disputa foi criada entre os Estados e a União, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de determinar que o Congresso aprove lei complementar com regras para ressarcir os governos estaduais e as prefeituras pelas perdas com a chamada Lei Kandir. Essa lei isentou de ICMS, em 1996, as exportações de produtos primários e semielaborados.
Em novembro do ano passado, o plenário do STF decidiu que o Congresso foi omisso por ainda não ter cumprido uma determinação da Emenda Constitucional 42/2003, de aprovar lei com novos critérios de compensação aos Estados e municípios pela Lei Kandir. O Supremo deu prazo de 12 meses para que a nova lei seja aprovada. Se isso não ocorrer, caberá ao Tribunal de Contas da União (TCU) fixar o valor a ser transferido aos Estados e Distrito Federal.
O primeiro embate entre o governo federal e governadores, nessa questão, é sobre o entendimento que deve prevalecer quanto ao teor da decisão do STF. O governo está convencido que o Supremo não discutiu o que foi feito no passado, ou seja, não discutiu o que foi ressarcido pela União a Estados e municípios desde 2003 (quando foi aprovada a Emenda 42) até agora.
"Em nenhum momento o STF disse que existe pendência em relação ao passado", afirmou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, ao Valor. "Portanto, não há o que falar sobre prejuízo", disse.
Guardia lembrou que a emenda 42 determinou que, enquanto não fosse aprovada a nova lei complementar, o ressarcimento seria feito de acordo com as regras estabelecidas na Lei Complementar 87. "A emenda é absolutamente clara sobre isso", disse. "Não existe, portanto, uma compensação a ser feita". Para ele, o único reconhecimento feito pelo Supremo é que houve omissão do Congresso em aprovar uma lei com novos critérios.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que deu parecer favorável à declaração de omissão por parte do Congresso, entendeu a mesma coisa que Guardia. Em seu parecer, Janot chama a Lei Complementar 87/96 como "norma de caráter provisório", corroborando, assim, o ressarcimento feito de 2003 até agora.
O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), pensa diferente. Por meio de nota oficial encaminhada ao Valor, o governo mineiro disse que o cálculo deve ser retroativo e estimou, preliminarmente, que a perda do Estado é da ordem de R$ 92 bilhões.
Pimentel estuda recorrer à Justiça para suspender o pagamento da dívida com a União enquanto o Congresso não aprovar a forma de compensação determinada pelo STF, segundo a nota. "Estimativas do governo indicam que o valor devido pela União é maior do que a dívida do Estado com o governo federal", diz a nota. A retroatividade defendida por Pimentel daria uma despesa extra de cerca de R$ 250 bilhões à União e foi considerada "um delírio" por vários secretários de Fazenda, por desconsiderar a LC 87/96.
A secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão, lembra que a disputa sobre o ressarcimento do ICMS é antiga, levantada por Estados que têm grandes perdas com a desoneração, como Pará, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Apesar disso, a secretária é contra vincular um assunto estrutural, que é o ressarcimento da Lei Kandir, com um conjuntural, que é a questão da dívida dos Estados com a União, como está fazendo o governo de Minas. Ana Carla considera essencial que os Estados busquem o equilíbrio fiscal.
O secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes, disse que aguarda a nova regulamentação sobre o ressarcimento da Lei Kandir, mas afirmou que o governo gaúcho não está vinculando essa questão ao endividamento do Estado com a União e menos ainda com o compromisso do Rio Grande do Sul em buscar o equilíbrio fiscal.
"Após a regulamentação, podem os assuntos (dívida e ressarcimento) dialogarem. E cremos que vão, numa certa medida. Mas hoje andam em paralelo. Até porque o equilíbrio fiscal no governo do Estado é conceitual, urgente e deve ser buscado", disse Feltes.
O governo federal transfere R$ 3,2 bilhões a Estados e municípios todos os anos por conta da Lei Kandir. Além disso, repassa R$ 1,95 bilhão aos Estados exportadores, uma espécie de complemento. Ainda não é possível saber qual será o valor a ser ressarcido pela União que constará da nova lei complementar.
Nas contas dos Estados, esse valor anual supera R$ 10 bilhões. O problema é que a despesa da União com a Lei Kandir está dentro do teto de gastos aprovado pelo Congresso. Assim, para aumentar o valor do ressarcimento, alguma outra despesa terá que ser comprimida.
A Advocacia-Geral da União (AGU) informou ontem que não vai recorrer da decisão do Supremo e determinou que seja cumprida. Como o ressarcimento da Lei Kandir é uma despesa da União, a iniciativa do projeto de lei complementar terá que ser do governo federal.
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