- Valor Econômico
• Recessão mais longa da história desafia estudiosos
Um dos maiores equívocos da equipe econômica que reinou entre 2008 e 2016, período em que foi gestada com grande competência a maior crise fiscal da história do país, responsável pela recessão mais longa que o Brasil já teve, foi não aceitar o fato de que os ciclos econômicos são finitos. A exceção no período foi a passagem inglória de Joaquim Levy pelo comando do Ministério da Fazenda. Chamado para fazer o ajuste em 2015, ele teve o seu trabalho permanentemente sabotado por colegas de ministério e pela própria presidente Dilma Rousseff.
A Nova Matriz Econômica, o desastroso experimento inspirado em aventura também fracassada da Turquia, desmontou o arcabouço de política econômica que vigorava desde 1999, destruindo a confiança que empresários e consumidores tiveram na economia durante o boom de 2004 a 2010. Os juros caíram por decreto, a taxa de câmbio passou a ser administrada e a margem de manobra fiscal que o país tinha à época foi implodida, com medidas adotadas em desespero para reanimar o PIB.
Os sábios do governo do PT quiseram implantar a Nova Matriz desde o dia 1 do primeiro mandato do presidente Lula. Foram vencidos pelo pragmatismo do então ministro Antonio Palocci, a obstinação de Henrique Meirelles (então, presidente do Banco Central) e pelo instinto de sobrevivência de Lula. A ironia do destino é que foi justamente o sucesso da ortodoxia daquela equipe que, ao colocar o país na rota do crescimento com inflação sob controle e contas públicas em ordem, criou as condições para os ideólogos da Nova Matriz virem adiante mudar tudo.
Sem confiança, os empresários pisaram no freio dos investimentos. Eles sabiam que os principais preços da economia - juros e câmbio - não refletiam os fundamentos e, portanto, em algum momento haveria forte ajuste, o que é desastroso para quem investe. Estavam conscientes também de que a deterioração fiscal, agravada pela contabilidade criativa e as pedaladas, cobraria seu preço.
Com o retumbante malogro da Nova Matriz, o governo agravou a situação porque passou a conceder variados estímulos fiscais e subsídios às empresas e aos consumidores, colocando a nação em rota de explosão do déficit orçamentário e da dívida pública. A solidez das contas públicas foi destruída, mas a atividade econômica não reagiu - os anos terríveis da economia brasileira registraram alta do PIB de 0,5% em 2014 e queda de 3,8% em 2015 e projetam redução de 3,49% em 2016 e crescimento de apenas 0,5% em 2017, com recuo de 10% da renda per capita apenas no último biênio; isto, sem falar que o crescimento já tinha sido modesto entre 2011 e 2013.
O novo governo assumiu em maio com a expectativa de promover o ajuste fiscal, combinando medidas conjunturais e reformas estruturais. O reflexo das decisões sobre a confiança dos empresários foi imediato. A confiança voltou e fez com que muitos analistas acreditassem que a atividade começaria a se recuperar no terceiro trimestre. Isso não ocorreu e o quarto trimestre também não foi bom.
O governo e o Congresso passaram a ser pressionados a adotar ações de estímulo à atividade no curto prazo. De forma inteligente, o Ministério da Fazenda adotou medidas microeconômicas de caráter permanente, com o objetivo de melhorar o ambiente de negócios para facilitar investimentos, e tomou iniciativas conjunturais para injetar algum dinheiro imediatamente na economia.
Ainda não se sabe que efeitos essas ações terão. A atual recessão, de tão longa, desafia os estudiosos. O Brasil sempre saiu rapidamente de períodos recessivos. Tudo indica que a recuperação agora será lenta. O desemprego, por exemplo, que já está em 11,8% (cerca de 12 milhões de pessoas), deve piorar antes de melhorar. Por essa razão, o governo deve ser pressionado a adotar medidas de desafogo.
No Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, o debate mais recente foi sobre a conveniência de adoção de novos estímulos. Pesquisador do Ibre, Manoel Pires, que foi secretário de Política Econômica na gestão de Nelson Barbosa na Fazenda, diz que é falso o dilema entre reformas estruturais e estímulos de curto prazo. As reformas são importantes para reduzir gargalos e aumentar o potencial de crescimento. Os estímulos suavizam os impactos dos ciclos econômicos e são importantes em situações de depressão, quando o custo do desemprego se torna muito alto.
A preocupação é com os efeitos negativos que as recessões profundas e duradouras têm sobre produtividade, produto potencial, custo do ajuste fiscal e estoque de capital, conforme demonstram estudos acadêmicos. Para Pires, não oferecer estímulos de curto prazo pode fazer com que problemas pontuais se tornem estruturais. É forçoso lembrar, porém, que foi justamente a avalanche desses estímulos que agravou, nos governos Lula e Dilma, problemas estruturais da economia, como o desequilíbrio das contas públicas.
Pires defende medidas para acelerar o processo de redução do endividamento (desalavancagem) do setor privado, otimizar políticas públicas voltadas para a suavização dos ciclos econômicos e resolver a crise dos Estados. O governo já fez alguma coisa no primeiro caso e, no terceiro, está sofrendo para convencer os governadores a fazer sacrifícios em troca da ajuda federal. O economista sugere ainda que a União concentre a liberação de recursos federais aos Estados mais atingidos pela recessão.
Armando Castelar, também do Ibre, acha que o estímulo à atividade neste momento deve vir do Banco Central, que administra uma taxa básica de juros (Selic) bastante alta e, com a queda da inflação, já começou a reduzi-la. A demora em sair da atual recessão seria em parte associada à necessidade de o BC combater, com a arma dos juros, uma fortíssima inércia inflacionária, causada por erros de política econômica do passado recente.
"Faria mais sentido [na visão de Castelar] concentrar nas mãos do BC o manejo do trade-off entre controlar a inflação e impulsionar a economia do que multiplicar medidas de estímulo que vão reduzir o espaço para cortar juros, com um duplo impacto negativo nas contas públicas: mais despesas primárias e mais gastos com pagamento de juros sobre a dívida pública", diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre e coordenador de seus debates. A visão da Fazenda, neste momento, é idêntica à de Castelar.
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