Algumas autoridades reagem à barbárie no maior presídio de Manaus (AM) como se assistissem a um filme inédito, mas todos sabem que a violência nas prisões brasileiras faz parte de uma série, infelizmente desdobrada em várias temporadas. O episódio manauara foi apenas o mais sangrento, com 56 mortos após 17 horas de rebelião.
Três anos atrás houve o massacre no complexo penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA), quando morreram 18 pessoas. No segundo semestre de 2016, registraram-se chacinas em casas de detenção de Boa Vista (RR), Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC), e a contagem fúnebre ficou em torno de dez mortes em cada uma das localidades.
A explicação para essas matanças —a briga entre facções criminosas— expõe com crueza o fracasso dos governos estaduais e federal no setor carcerário. Como podem hordas de facínoras disputar o comando de uma prisão? Se o fazem, é porque ali dentro o poder público já não exerce o seu papel.
O descontrole no maior presídio de Manaus estava bem documentado em relatórios recentes, que apontaram a precariedade das instalações, as péssimas condições para ressocialização, a falta de assistência jurídica ou de saúde aos detentos e a ausência de detectores de metais e bloqueadores de celular.
Também apontaram a superlotação, característica lamentável de nosso sistema prisional conhecida desde pelo menos 1992 —quando o Carandiru, em São Paulo, com cerca de 2,3 presos por vaga, foi palco da maior carnificina dentro de uma casa de detenção, com 111 mortes.
Sintoma do descaso, os dados mais recentes do Ministério da Justiça referem-se a dezembro de 2014, quando se contavam 372 mil vagas e 622 mil presos (quase 1,7 por vaga). Na penitenciária da tragédia de Manaus, segundo estatísticas locais de 2016, havia 1.224 homens, mas lugar para 454 (2,7 por vaga).
Existem duas maneiras de enfrentar esse problema. A primeira delas, construir presídios, é empregada há mais de duas décadas sem sucesso e cobra muito dos cofres públicos (cada preso custa cerca de R$ 30 mil por ano). A outra pressupõe uma mudança de enfoque: menos delinquentes seriam mandados para trás das grades.
Esta Folha há mais de 15 anos defende a segunda via. Entende que a lei deveria evoluir no sentido de reservar a prisão a criminosos que recorrem a violência ou grave ameaça; os demais, cuja liberdade não representa perigo à sociedade, poderiam cumprir pena alternativa, desde que suficientemente dura e proporcional ao delito.
Sem isso, o Brasil continuará gastando muito com prisões que o governo não controla —e elas continuarão abarrotadas de indivíduos que logo se transformarão em mão de obra das facções criminosas.
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