Por Ricardo Mendonça | Valor Econômico
SÃO PAULO - A despeito das fragilidades do presidente Michel Temer e da turbulenta agenda política de 2016 -com a combinação de impeachment, Lava-Jato, afastamento e prisão do presidente da Câmara e disputa de poder com o Judiciário- o Congresso Nacional estabeleceu um ritmo acelerado de aprovação de matérias de interesse do governo.
Desde que assumiu o posto que era ocupado pela ex-presidente Dilma Rousseff, em maio de 2016, Temer comemorou a aprovação de seis normas de relevante impacto econômico no Congresso: duas Propostas de Emenda Constitucional (PEC), a do teto de gastos e a da Desvinculação de Receitas da União (DRU), e quatro projetos de lei.
Tramitam ainda 21 medidas provisórias (MPs), normas em vigor desde sua publicação por parte do governo e pendentes do aval final do Congresso, o que quase sempre costuma ocorrer.
A edição de MPs dá um parâmetro comparativo objetivo do forte ritmo de atividade normativa do governo Temer. Desde o dia 12 de maio, quando Dilma Rousseff foi afastada pelo Senado e ele assumiu a Presidência, o governo enviou 40 delas ao Congresso. Em período semelhante, só perde para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que enviou 48 MPs nos primeiros oito meses do primeiro mandato. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou 22; Dilma, 17.
Outro contraste é o das emenda constitucionais. Nos primeiros oito meses de Dilma, foram aprovadas quatro, o dobro do período Temer, mas elas tinham impacto bem menos abrangente que teto de gastos e DRU. Tratavam de plano de carreira para agentes comunitários de saúde, introdutação da alimentação como direito social, Estatuto da Juventude e autorização de divórcio sem separação jucidial.
Sob Lula, em 2003, o Congresso aprovou três emendas, mas só uma tinha impacto relevante e abrangente: a renovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Sob Fernando Henrique Cardoso, das quatro emendas aprovadas, a única com vulto econômico foi a da privatização da telefonia.
De todas as normas de interesse do governo Temer já aprovadas, a mais radical e de maior repercussão foi a PEC de teto, um novo regime fiscal que proíbe aumento de despesas públicos acima da inflação pelos próximos 20 anos. A outra que implicou em mudança da Constituição, a DRU, aumentou o limite de receitas que poderão ser movimentadas livremente de 20% para 30% até 2023 e estendeu a regra para os Estados.
Também passaram a lei que desobriga a Petrobras a participar de todas as operações do pré-sal, a criação do Programa de Parceria de Investimento (PPI), um novo marco regulatório para o setor de energia elétrica e a chamada Lei de Governança das Estatais, com critérios mais rígidos para nomeação de diretores e novas regras de transparência.
No conjunto de projetos de interesse do governo que tramitam na Câmara ou no Senado, o mais profundo é o da reforma da Previdência, PEC com previsão de apreciação em março por deputados da Comissão Especial. Há ainda na agenda de tramitação a MP de reforma do ensino médio e a que libera recursos de contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). E pelo menos três projetos de lei elaborados por senadores que já foram aprovados na Casa e aguardam votação na Câmara: uma renovada lei de licitações e contratos, os novos parâmetros para funcionamento e preenchimento de cargos em agências reguladoras e um pacote de regras mais rígidas de governança para os fundos de pensão.
Num período de notável instabilidade política, o que explica tamanha produtividade?
Para o analista Antonio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a explicação está no caráter liberal das matérias. "Poucas vezes houve no Brasil uma convergência pró-mercado tão grande como a que se configura hoje", diz. "Uma orquestração dos três poderes no sentido de implementar essa agenda em que o grande maestro é o mercado. É o resgate daquela agenda liberal que ficou suspensa 13 anos pelos governos do PT", afirma.
Na sua avaliação, há uma divisão de funções entre os poderes para cumprir a tarefa. O Executivo cuida das matérias fiscais, o Congresso atua na melhoria do ambiente de negócios, e o Judiciário, acrescenta, toma decisões que sintonizam com o ambiente.
Queiroz destaca o papel do Supremo Tribunal Federal (STF). Cita as decisões recentes de eliminação da possibilidade de desaposentação, o que gera grande economia, a autorização de desconto salarial de servidores públicos em dias de greve e as decisões no sentido de prevalência do negociado sobre o legislado, contrariando súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e em consonância com a reforma trabalhista prometida por Temer.
O cientista político Fernando Abrúcio também vê forte relação com o afastamento de Dilma. "Como parte dessa coalizão política se comprometeu a fazer o impeachment, e fez, eles tiveram que dar uma resposta depois. Então a coisa andou. E tiveram que responder sobretudo por causa da crise econômica", explica.
Marco Antônio Teixeira, também cientista político, lembra de um episódio simbólico nesse sentido: o discurso do publicitário Nizan Guanaes no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, em novembro, em que ele pede para que Temer aproveite a alta taxa de impopularidade para aprovar medidas que outros governantes teriam dificuldade para encaminhar.
Para Teixeira, manter a relação fluida com o Congresso é o que resta ao governo para garantir sua sobrevivência. "Temer tem um padrão Dilma de popularidade. Então, não tem saída. Repare que ele recebeu dezenas de deputados nesse período. É quase um governo parlamentarista", diz.
Diretora do Centro de Estudos da Metropole, Marta Arretche ressalta que todos os projetos aprovados por Temer até agora podem ser enquadrados naquilo que ela classifica como "de baixa visibilidade". São normas relevantes e de impacto econômico, diz, mas que não afetam diretamente categorias concentradas de eleitores, como é o caso da reforma trabalhista e, mais ainda, da reforma da Previdência.
"A capacidade de liderança de Temer para aprovar medidas impopulares ainda não foi testada. A PEC do teto tem custos difusos. Como não atinge um grupo específico de eleitor, deputado não tem medo de votar e ser penalizado nas urnas. Não é, portanto, um bom preditor para a reforma da Previdência e a trabalista".
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