- Correio Braziliense
Oswaldo Alves Pereira, o Noca da Portela, é um daqueles sambistas que tiram leite das pedras do cotidiano para alegrar as pessoas, ainda que isso lhe cause eventuais contratempos domésticos. O maior deles foi com seu primeiro samba de sucesso: “É preciso muito amor/ Para suportar essa mulher /Tudo que ela vê numa vitrine ela quer /Tudo que ela quer /Tenho que dar sem reclamar /Porque senão ela chora /E diz que vai embora/Oh, diz que vai embora!”. É preciso muito amor, descreve o marido submisso aos caprichos da esposa: “Pra satisfazer essa mulher/Eu faço das tripas coração/ Pra ela sempre digo “sim”/ Pra ela nunca digo “não” /Porque senão ela chora /E diz que vai embora/ Oh, diz que vai embora!”
Noca conta que chegou em casa empolgado com o samba tocando nas rádios, na voz de Zeca Pagodinho, mas a mulher não gostou: “Quase apanhei, a vizinhança toda estava falando mal dela, não adiantava explicar que o samba não era pra ela”. O ex-feirante, porém, trocou o barraco numa favela em Benfica pela casa da Rua José dos Reis, no Engenho de Dentro, comprada com o dinheiro que ganhou com direitos autorais e shows graças aos sambas que compôs, como Virada, que se tornou hino da campanha das Diretas Já!, na voz de Beth Carvalho.
Autor de sambas-enredos memoráveis, como Recordar é viver (1985) (“A Portela vem /Tão bela, oi, tão bela /Colorindo a passarela…”), quando a situação aperta, porém, o velho Noca faz um “boi com abóbora”, como ele mesmo classifica. É o caso do samba que intitula a coluna: “Se você sentir saudade, /liga pro meu celular /liga pro meu celular /não deixa a saudade imperar!”.
Foi uma espécie de “boi com abóbora” da propina, acertado pelo celular, que ferrou o ex-ministro Geddel Vieira Lima, cuja troca de mensagens com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) motivou Operação Cui Bono, da Polícia Federal, na sexta-feira passada. Ambos são investigados por fraudes em empréstimos da Caixa Econômica Federal entre 2011 e 2013. Segundo relatório da PF e do Ministério Público Federal, em 29 de agosto de 2012, Cunha e Geddel trocaram mensagens para beneficiar a J&F Investimentos, que ficaram registradas num velho celular apreendido na casa do primeiro, dos muitos que utilizava:
Cunha: “JF não resolveu?”
Geddel: “Tá resolvido. Tá na pauta do CD de terça. Vc tá pensando que eu sou esses ministros q vc indicou? Abs”
Cunha: “Ok rssrsrs”
Nova troca de mensagens ocorreu dois dias depois:
Geddel: “Acabou de entrar extrapauta do Voto da J&F no CD da próxima Terça. São 02 operações: &Op. 767 (Cred. Esp. Empresa) – R$ 200mm, 48m (sendo 12m de carência) e tx CDI+O,15%a.a > Op. 194 (Cla Garantida) – R$ 50mm CDI O,20%a.3. Conforme combinado. Abs”
Cunha: “Atrasou a saída 50 chega 20 hrs”
Geddel: “Ok”
Cunha: “Tudo ok?”
Geddel: “Ok. Abs”
Para a Polícia Federal, as opções citadas são operações de crédito corporativo da Vice-Presidência de Pessoa Jurídica Caixa Econômica Federal, cargo que Geddel exercia à época. A J&F nega que tenha sido beneficiada. O ex-ministro classifica a operação de “malfadada” e chama de “ficcional” o relatório.
Tchau, querida!
Muitos réus na Operação Lava-Jato transformaram o telefone móvel numa espécie de ratoeira. O de Marcelo Odebrecht foi uma rica fonte de informações para as investigações, que resultaram na delação premiada do ex-presidente da Odebrecht e seu pai, Emílio, que hoje assombra os políticos. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tomou posse no cargo de ministro da Casa Civil da presidente Dilma Rousseff por causa de uma conversa por celular, interpretada como uma tentativa de forçar a barra para obter foro privilegiado e sair da alçada do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba:
Lula: “Fala, querida. Ahn?”
Dilma: “Seguinte, eu tô mandando o ‘Bessias’ junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!”
Lula: “Uhum. Tá bom, tá bom.”
Dilma: “Só isso, você espera aí que ele está indo aí.”
Lula: “Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.”
Dilma: “Tá?!”
Lula: “Tá bom.”
Dilma: “Tchau.”
Lula: “Tchau, querida.”
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