• O governo que aprova no Congresso o teto constitucional dos gastos é o mesmo que se compromete, por lei, a aumentar as despesas; terá de fazer opções em breve
Período de algum relaxamento, as viradas de ano podem ser usadas por governantes para tomar decisões que gostariam que não fossem notadas. Desta vez, a contagem regressiva para a chegada de 2017 coincidiu com a medida provisória 765, um presente de reajustes para oito categorias do funcionalismo público e, além de outros atos, a criação de um bônus de produtividade e eficiência para auditores fiscais e analistas tributários da Receita, extensivo a auditores do Ministério do Trabalho.
Nem parecia um país que encerrava 2016 ainda com preocupantes déficits fiscais: na faixa de 9% do PIB, considerando-se as despesas com juros — três vezes mais o admitido na União Europeia —,e 3 % sem elas, números a serem confirmados mais à frente. Pelo segundo ano consecutivo. Um contrassenso.
Ao se detalhar a MP, constatam-se altas irresponsabilidades. Há reajustes de até 53%; o bônus é retroativo, para abranger o mês de dezembro e, o pior, estende-se a aposentados e pensionistas. Um bônus de produtividade para quem não mais produz (!). Como o Congresso não aprovou os percentuais de aumentos, o Planalto editou a MP no lusco-fusco de fim de ano.
Tudo é possível no alegre reino da fantasia do funcionalismo federal. Mas não no duro universo dos servidores estaduais, onde o poder público não pode contrair dívida para colocar em dia salários e benefícios. A União pode, e tem feito isso.
Procurada pelo jornal “Valor” para dar explicações, a Receita tentou sair pela tangente e piorou a situação: disse que o mesmo acontece na AGU e na Procuradoria Geral da Fazenda, entre outros braços da burocracia. Isso significa que o absurdo — inativo e pensionistas premiados por eficiência e produtividade — drena dinheiro do contribuinte há algum tempo, privilégio que deverá se espalhar nas pautas de reivindicações das categorias dos servidores. Desde que assumiu como presidente interino, Temer tem contrariado, desta forma — dando aumentos salariais —, a austeridade que prega e cobra, com acerto, dos governadores. Já passaram pelo Congresso, enviados pelo governo Temer, mais de dez projetos de reajustes salariais. Apenas esta MP representa uma despesa adicional de R$ 3,8 bilhões, este ano. Até 2019, R$ 11,2 bilhões.
Há duas justificativas oficiais: os reajustes haviam sido acertados anteriormente, no governo Dilma, e existe dinheiro no Orçamento. Mas, na verdade, não há esta certeza, porque o mesmo governo que gasta em salários como se não houvesse amanhã aprovou no mesmo Congresso um teto constitucional para os gastos.
Parecem dois presidentes em um só: um gasta, o outro corta. Quem vencerá? O Planalto deve se preparar para decidir onde cortar, para atender ao crescimento dessas despesas com salários, bônus e aposentadorias. Depois da PEC do teto, o total das despesas não pode crescer mais, este ano, que os 6,29% da inflação de 2016. Vai chegar a hora de definir prioridades.
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