• Obras paralisadas pela empresa, como a do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, continuam a gerar prejuízos bilionários com o desgaste dos materiais
Fernanda Nunes | O Estado de S. Paulo
RIO - A Petrobrás inicia o ano de 2017 com o caixa menos comprometido com dívidas do que ingressou em 2016. No mercado financeiro, as ações estão em escalada ascendente. Mas, no seu encalço, ainda existem R$ 6,25 bilhões (valor contábil) de obras inacabadas, que já não condizem com a nova Petrobrás.
Sem destino definido, esses projetos geraram perdas de R$ 2,05 bilhões por desgaste, por causa do passar do tempo, como informou a empresa na última demonstração financeira, relativa ao período de janeiro a setembro deste ano. Mudanças nas condições de mercado, como no câmbio e na cotação do petróleo, corroeram parte do dinheiro investido e alguns deles se tornaram definitivamente inviáveis.
“Parar grandes obras como a do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) gera prejuízos fantásticos. Qualquer retomada tem alto custo. E a paralisação acontece justamente num momento em que o País precisa de refino (para reduzir a importação de combustíveis)”, avalia o vice-presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Fernando Siqueira.
Na lista de perdas por causa da mudança de rumo da empresa estão empreendimentos suspensos, como o Comperj, no qual já foram investidos US$ 13 bilhões, sem a segurança sequer de que virá a funcionar um dia, e outros definitivamente abandonados. Hoje, a meta da diretoria da Petrobrás é sanar o caixa e deixar a liderança do ranking das petroleiras mais endividadas do mundo.
Para isso, mira na venda de ativos e prioriza a exploração e a produção de petróleo e gás natural em áreas de grande produtividade e rentabilidade, como o pré-sal, que deve ser processada em suas próprias refinarias no Brasil ou exportada como matéria-prima bruta. A ideia é fazer isso sozinha ou ao lado de grandes petroleiras, suas parceiras estratégicas, como a francesa Total.
Ficou no passado o projeto de usar o pré-sal como âncora de um plano de governo de industrialização, que previa a transformação do petróleo de alta rentabilidade em insumo para fabricação de produtos de alto valor agregado, em unidades que seriam construídas pela estatal isoladamente, com sócios ou por terceiros.
Durante a gestão petista da petroleira, em que plantas chegaram a ser construídas, investidores privados demonstraram interesse em estar ao lado dela. Mas, chegada a crise, o plano foi abandonado, investidores desapareceram e grandes projetos ficaram no meio do caminho.
Baixas contábeis. Muitos desses investimentos interrompidos geraram baixas contábeis em sucessivos resultados financeiros da petroleira e ainda geram custos mensais de manutenção à companhia.
Fazem parte da lista de desistência: quase a totalidade do Comperj, no Rio de Janeiro; a segunda fase da Refinaria Abreu e Lima (Refinaria do Nordeste - Rnest), em Pernambuco, onde já foram investidos US$ 17 bilhões; a Petroquímica Suape, em Pernambuco; a Unidade de Fertilizante Nitrogenado III, situada no município de Três Lagoas (MS); a usina de Quixadá, produtora de biodiesel na Bahia; e um conjunto de comboios da Transpetro, subsidiária de logística da estatal, para navegação em hidrovias.
De alguns deles, a Petrobrás definitivamente desistiu. É o caso da Petroquímica Suape, cuja venda para o grupo mexicano Alpek foi fechada na semana passada, da unidade de fertilizantes, da usina de Quixadá, que também estão à venda, ao lado de áreas produtoras de óleo e gás, dentro do plano de desinvestimento.
A construção dos comboios da Transpetro pelo estaleiro Tietê foi suspensa. Enquanto outros projetos, para irem adiante, ainda dependem da atração de sócios, por enquanto desconhecidos, como o Comperj e a segunda fase da Rnest.
Há obras definitivamente canceladas, ainda que na fase inicial, como as refinarias premium, projetadas para os Estados do Ceará e do Maranhão. Os terrenos onde seriam construídos os projetos estão abandonados, enquanto os respectivos governos estaduais tentam atrair sócios para substituir a Petrobrás.
Campos produtores de petróleo e gás foram suspensos à espera da melhora nas cotações do petróleo e do real frente ao dólar, o que pode torná-los economicamente viáveis novamente. Não chegam a ser abandonos, mas postergações, projetos que podem ser retomados em algum momento com a mudança de cenário da indústria petroleira. Procurada pela reportagem, a Petrobrás não se pronunciou sobre o assunto
Escoamento de gás. A Petrobrás corre contra o tempo para concluir a unidade de processamento de gás natural (UPGN) do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e poder receber o gás natural que será produzido a partir de 2021 na super área de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos. Sem a unidade, a Petrobrás e seus sócios em Libra não terão para onde escoar o gás.
Apesar de o Comperj ter sido suspenso, é certo que a UPGN sairá do papel para que o gás do pré-sal seja transformado em insumo petroquímico. A outra opção seria queimar o combustível nas plataformas, o que traria grande prejuízo ambiental, financeiro e geraria multa por parte da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Na UPGN do Comperj, o gás será transformado em insumo para ser processado em outras unidades petroquímicas de segunda e terceira gerações até que, por fim, virem resina para serem usadas em outras indústrias, como têxtil e automobilística. O esperado era que também esses segmentos industriais consumidores fossem atraídos para próximo do Comperj. Mas, assim como o projeto da Petrobrás sucumbiu à crise da empresa e da economia, o governo do Rio se viu frustrado no seu plano de industrialização do interior fluminense.
Hoje, o dilema da Petrobrás é construir a UPGN e garantir destino para o gás do pré-sal. A empreiteira Queiroz Galvão chegou a iniciar a obra, mas, investigada pela Lava Jato e impossibilitada de acrescentar aditivos ao contrato para ampliar o valor, abandonou o projeto. Nova licitação está sendo desenhada e deve ser lançada no mercado em março, segundo fonte da Petrobrás que participa diretamente do processo, mas não quis se identificar.
Concluída essa fase, a Petrobrás vai encarar ainda o desafio de escoar o insumo que será produzido na UPGN para empresas que compõem a cadeia petroquímica e que, pelo projeto inicial, se instalariam dentro do Comperj. Algumas soluções estão sendo analisadas. Entre elas, a venda do produto para a unidade da Braskem instalada em Duque de Caxias (RJ), o que exigiria a ampliação. A limitação, porém, está na controladora da Braskem, a Odebrecht, investigada pela Operação Lava Jato.
“A Rota 3 (dutos e UPGN) gera insumos petroquímicos para unidades de geração petroquímica que não serão construídas. Por que não reprojetar a Rota 3 e torná-la mais barata? O Moro (Roberto, diretor de Desenvolvimento e Tecnologia da Petrobrás) diz que não há mais tempo”, diz o vice-presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás, Fernando Siqueira.
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