- O Globo
Por mais que se fale em ano novo, em vida nova, no fundo de cada um de nós está a certeza de que certas complicações atravessam o réveillon e prosseguem em nossas vidas. Na última semana de 2016, a Polícia Federal fez uma busca nas gráficas que serviram à chapa Dilma-Temer. Isso serviu para nos lembrar que o tema voltará em 2017 e com a dose de realismo fantástico que tempera nosso noticiário.
Temer vai dizer que as contas são separadas. Seus adversários dirão que é uma só, indivisível. Se forem separadas, o foguete explode apenas no colo de Dilma. Se forem uma só, a chapa vai para os ares e teríamos eleições indiretas. As próprias gráficas misteriosas já têm algo de fantástico. O dono de uma delas é um homem chamado Beckembauer Rivelino. Certamente o pai queria lembrar dos dois grandes craques. Um joga no ataque, outro na defesa. No próprio nome, atacante e defensor se equilibram, o menino já vem com salvaguardas para não jogar muito solto. Essa discussão sobre a chapa Dilma-Temer vai depender muito da política. A tendência é de que defensores do governo afirmem a tese da separação e críticos a da unidade indissolúvel.
Dilma e Temer unidos para sempre? Ele chegou a escrever uma carta que parecia um mimimi do tipo “você não se importa comigo”. Queria com isso revelar já naquela época que, apesar das aparências, não rolava nada nas relações políticas entre os dois. A temporada de 2017 promete no TSE. Mas nada parecido com a cena no STF que deve homologar e dar transparência à delação da Odebrecht. O que os americanos revelaram foi o bastante para sacudir a política no continente. As redes sociais foram inundadas com protestos e críticas em todos os nove países onde houve corrupção na América Latina. Estamos no epicentro de um escândalo mundial. No entanto, os dados divulgados nos EUA ainda são incompletos. Os políticos brasileiros foram chamados de brazilian officials e numerados de um 1 a 9. Quando esses números ganharem nome e cara, e isso só é possível com a transparência da delação, talvez se possa tomar consciência também da amplitude da aventura internacional do brazilian oficial número 1 e o esquema da Odebrecht. Ao divulgarem o que a Odebrecht pagou em propina e o quanto lucrou, os americanos lançaram um dado objetivo que foi, ao mesmo tempo, a semente da crítica, em toda a parte, e a base para a pressão sobre os governantes. Nesse particular, autoridades suíças, aliás, enfatizaram esse ângulo: para cada dólar investido em suborno, a Odebrecht conseguia quatro de lucro.
As investigações foram realizadas no Brasil. O país tem se mostrado aberto para compartilhar os dados com outros governos. No entanto, ainda assim ficam alguns ressentimentos no ar. Cedo ou tarde, o país terá de escrever na língua nativa a história dessa trama que envolveu países da América Latina e da África. Nunca nossa presença externa foi tão abrangente e lamentável. Embora o escândalo continental tenha tido pouca repercussão aqui, os diplomatas brasileiros, certamente, terão sensibilidade para o furacão. Ainda no campo da diplomacia, os documentos da política externa sobre a aventura também devem ser revelados no processo de transparência que virá. Não há razão para esconder, pois o essencial a polícia já conhece e estará descrito nas delações premiadas. A transparência agora não significa apenas dar nome aos culpados. Ela tem de estar à altura do grande fato histórico em nossa política externa e documentálo com precisão.
O ano de 2016 foi duro. E 2017 ainda nos espera com grandes tensões, mas pelo menos a promessa de que as coisas serão esclarecidas finalmente. Venha o que vier, terá pelo menos o condão de nos trazer à realidade, esclarecer tudo o que ainda se ignora. Será um grande momento de verdade pelo qual temos de passar no caminho da reconstrução.
A Odebrecht e o official número 1 bateram recordes de cifras, ganharam o campeonato mundial de corrupção. É uma ilusão supor que a História vá ignorar esse grande feito. Os americanos o acharam tão importante que se apressaram a divulgá-lo sinteticamente. Certos detalhes não interessam a eles, como o papel do BNDES em toda a trama, as manobras diplomáticas, os interlocutores, os discursos. No Brasil, a história completa precisa vir à tona. Ela representa um capítulo independente, foi objeto de investigações em Curitiba e Brasília e está presente em alguns dos 800 depoimentos da Odebrecht.
Num momento em que todos os nove países latinos atingidos começam também a investigar, dados novos podem surgir. E estará mais completa ainda a narrativa desse episódio inédito no Brasil: a multinacional da propina combinando empresa, diplomacia presidencial e o BNDES. Como disse, um filme à parte. Feliz Ano Novo.
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