quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Crises política e fiscal | Míriam Leitão

- O Globo

Temer prolonga a crise fiscal. O presidente Temer chega no dia em que a Câmara dos Deputados vai ler, discutir e votar a denúncia contra ele por corrupção passiva com um sinal vermelho nas contas públicas, justamente o que ele prometia começar a resolver no começo do seu governo. O teto de gastos não tem a ver com a meta. O governo está respeitando o teto que ele mesmo votou, mas não consegue debelar a crise fiscal.

Oque o presidente fez nos últimos dias para se manter no cargo deu a impressão de aumento descontrolado de gastos. Na verdade, ele usou politicamente uma prerrogativa que estava no Orçamento, que é a de liberar as emendas de parlamentares. O nó fiscal que ele não conseguiu desatar até o momento tem a ver com a continuidade da recessão e o erro de contar excessivamente com receitas de vento, que, por sua natureza, podem se esvanecer ou se confirmar. Nos últimos dias, o vento levou a maioria das conjecturas de arrecadação.

Um presidente que mostra tanta vontade de permanecer no cargo, mesmo diante da óbvia fraqueza de ter apenas 5% de apoio na população, expõe o cargo às pressões e chantagens da base. Qualquer agenda impopular é difícil tocar neste momento. Isso também o torna inadequado para o posto de presidente, porque é fundamental insistir em temas impopulares para tentar pôr ordem na casa.

Um exemplo foi o que aconteceu com a proposta de refinanciamento das dívidas tributárias. Era para arrecadar R$ 13,3 bilhões e se transformou, graças ao relatório do deputado peemedebista Newton Cardoso Junior, na farra do perdão a quem deve ao governo. Basta pagar 20% da dívida que o resto terá um abatimento de 99%. Tudo o que resta ao governo é deixar cair a proposta. Que ela caduque antes que provoque mais estragos nas contas públicas. Esse tipo de ataque às propostas do governo sempre acontece quando o presidente se enfraquece e depende muito do Congresso.

Por isso, mesmo que ele tenha uma vitória no teste de hoje, como tudo leva a crer, isso não o fortalece politicamente. Ele será devedor dessa base e pode ter que enfrentar outra denúncia ou pedidos de impeachment que dormem na gaveta do deputado Rodrigo Maia. Pelo menos se diga do presidente da Câmara que ele tem o mérito de não querer pôr fogo no circo por ambição pessoal. Sua postura é um alívio depois do que se viu com o ex-deputado Eduardo Cunha no mesmo posto e na mesma situação.

O papel do PSDB na crise atual é lastimável. Essa é a segunda vez em que um presidente do partido é atingido diretamente por denúncia e, em vez de fazer a coisa certa, o partido deixa ao acusado o direito de escolha entre ficar ou sair do comando partidário. Os tucanos aceitaram que Eduardo Azeredo presidisse o partido após o caso do mensalão mineiro, até o dia que quis. E o afastamento do senador Aécio Neves, depois daquela inexplicável conversa com o empresário Joesley Batista, foi apenas temporário e pode ser revertido. Os tucanos não aprendem nada com os próprios erros.

Outros partidos que hoje darão sustentação a um presidente impopular e flagrado em reunião suspeita estão em confronto direto com seus eleitores. Não há saída politicamente boa para o Brasil, mas a permanência do governo não é solução para coisa alguma.

Do ponto de vista da economia, o país ficará agora diante da notícia da revisão da meta fiscal, no mesmo momento em que o presidente pode ser confirmado em seu cargo. É melhor que a área econômica tenha admitido o problema antes da votação.

Muita gente confundirá a meta com o teto. Na verdade, a crise fiscal está piorando por causa da queda da arrecadação e da frustração de receitas, mas os gastos estão respeitando o teto. A percepção geral contudo será que ele aprovou o teto para ele mesmo estourar. Tecnicamente, não é isso. O que está acontecendo é que o governo se impôs uma meta de déficit, um pouco menor do que do último ano, para ir reduzindo gradualmente o rombo que herdou. Mas não está conseguindo. E agora, além de tudo, o presidente está enrolado politicamente por sua única e exclusiva responsabilidade. De novo, as crises política e econômica andam juntas, uma agravando a outra.

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