O título deste editorial não é anacrônico como poderia parecer, passadas mais de três décadas desde a redemocratização do País. Há razões de sobra para que se faça, tantas vezes quanto for necessário, uma intransigente defesa da democracia e do regime republicano.
Justamente no momento em que as instituições que definem o Estado Democrático de Direito são postas à prova – seja por mandatários movidos tão somente pela fome de locupletação, seja por aqueles que julgam estar acima das leis e sobrepõem suas agendas particulares ao interesse público – é que se deve reforçar a sua importância como único meio de que a sociedade dispõe para manter a paz social e alcançar o bem comum.
O resultado mais nocivo que pode advir da longa crise que instalou no País este clima de desalento e insatisfação generalizada é a disseminação da ideia de que a democracia não é um regime bom o bastante para dar conta dos desafios que ora se impõem à Nação.
Este receio não é infundado. Embora ainda incipiente, cresce a parcela da população que canaliza as suas angústias e os seus anseios na direção de alternativas de representação política com vieses claramente autoritários. A indignação popular ante os desmandos na vida pública tem levado a uma difusa antipatia pelos “políticos”, no plural, repelindo, para esta parcela, as candidaturas e práticas identificadas com a “política tradicional”, como se o problema fosse a tradição, e não os crimes cometidos por agentes determinados.
Recentemente, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicou o estudo O dilema do brasileiro: entre a descrença no presente e a esperança no futuro, que mostra o retrato de uma sociedade descrente não apenas da política e dos políticos, mas, o que é ainda mais grave, do próprio valor do regime democrático.
O estudo revelou a percepção da sociedade sobre a política, os políticos em geral e as instituições. As instituições políticas – como a Presidência, o Congresso Nacional e os partidos – são alvo de uma descrença generalizada. Sem novidade, o presidente Michel Temer é visto com desconfiança por 83,2% dos entrevistados. Os políticos com mandato e os partidos são desacreditados por 78,3% e 78,1% dos respondentes, respectivamente. No entanto, o dado surpreendente da pesquisa foi a constatação de que 42,4% dos entrevistados discordam da afirmação de que há democracia no País.
Quando instados a opinar sobre os partidos políticos, 47,15% disseram discordar, no todo ou em parte, da frase “partidos políticos são importantes, estaríamos piores sem eles”. Essa insatisfação geral com as legendas e com a própria acepção da política como mecanismo de mediação dos interesses sociais reflete-se na atual crise de representatividade que, entre outros danos, dá azo ao florescimento de candidaturas populistas e irresponsáveis, sem qualquer compromisso com o futuro do País.
É importante ressalvar, no entanto, que nas pesquisas de opinião não é incomum haver uma discrepância entre as noções de política adotadas por aqueles que perguntam e aquelas percebidas pelos que respondem. Para a grande maioria da população, os termos “política” e “políticos” englobam toda sorte de práticas, instituições e entes públicos que não raro extrapolam os limites de uma pergunta fechada.
De todo modo, o resultado obtido pela FGV é revelador do estado de espírito de uma parcela da população e vai ao encontro de outro dado capturado por uma recente pesquisa do Pew Research Center, que revelou que 67% dos brasileiros estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia no País. O Brasil, de acordo com o centro de estudos norte-americano, é um dos países onde o entusiasmo popular em relação à democracia tende a ser menor. Aqui, apenas 8% da população concorda com a afirmação de que “um governo formado por representantes eleitos é muito bom”.
O Brasil vive um momento de inflexão. A inarredável defesa da democracia é a única forma de legar às futuras gerações um País desenvolvido. Esta deve ser a missão dos que querem evitar uma guinada em direção ao retrocesso.
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