Mudar o sistema no início de ano eleitoral, num Congresso que demonstra não entender a crise, implica riscos que podem abortar a recuperação lenta da economia
Sem a certeza da obtenção do apoio de no mínimo 308 votos na Câmara, para aprovar a minirreforma da Previdência, o governo confirmou ontem o que o senador Romero Jucá antecipara quarta à tarde e adiou a votação do projeto da reforma, em primeiro turno, para a penúltima semana de fevereiro, logo depois do carnaval.
Pode-se compreender a decisão, mas não se deve negar que existe um custo para o país. Se a Câmara, mesmo com os mimos recebidos no toma lá dá cá do fisiologismo — vagas e verbas — ainda não dá segurança ao Planalto para começar a votar o projeto, transferi-lo para 2018, ano eleitoral, implica mais riscos.
Um deles, o Planalto ser forçado a fazer novas concessões, e num ponto central da proposta como, por exemplo, a preocupação com o nivelamento das condições de aposentadoria entre servidores públicos, historicamente privilegiados na Previdência, e os assalariados do setor privado, do âmbito do INSS.
Neste, o teto dos benefícios é de cinco salários mínimos (R$ 5.531), enquanto no universo dos servidores há, por exemplo, aposentadorias médias de R$ 28 mil, como no funcionalismo do Poder Legislativo.
Por se tratar de uma reforma fundamental para conter a caminhada do Tesouro para a insolvência — a dívida pública se aproxima dos 80% do PIB e não para de subir — este adiamento, mesmo de pouco mais de dois meses, aumenta as probabilidades de rebaixamento da nota de risco do país pelas agências avaliadoras.
Há pouco, em entrevista ao GLOBO, o chefe global de classificação de títulos de dívidas de países da S&P, Moritz Kraemer, declarou que a janela para aprovação da reforma estava se fechando, e que as agências poderiam reduzir a nota brasileira. Este adiamento para fevereiro agrava a percepção das agências com relação ao país.
O rebaixamento resultará em um câmbio mais desvalorizado, com impacto na inflação. Neste campo, tudo está sob controle, mas este cenário pode mudar com facilidade e forçar o BC a voltar a elevar os juros, em prejuízo da retomada, ainda débil, do crescimento. Assim, a criação de empregos ficará ainda mais lenta ou poderá estancar de vez. E ainda há 12 milhões de desempregados.
Sem a reforma ou com um projeto que não aborde da maneira devida os focos do déficit previdenciário — idade mínima para a aposentadoria, privilégios a servidores públicos, por exemplo —, as contas públicas continuarão sem perspectiva de melhoria, o que também pressiona os juros para cima. Não por outro motivo, no mercado de juros futuros as taxas para dez anos estão em alta.
Como as despesas previdenciárias não param de crescer em alta velocidade — e por isso a dívida pública está com a mesma tendência —, será muito provável que o próximo governo tenha que reduzir de forma mais drástica os investimentos e cortar gastos em áreas vitais como educação, saúde e segurança. Isso por força do teto constitucional dos gastos.
Haverá quem proponha acabar com o teto, por outra emenda constitucional. Mas só piorará a situação, porque será o mesmo que anunciar a volta da anarquia fiscal.
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