A votação da reforma da previdência foi adiada para fevereiro de 2018, se é que será mesmo feita neste governo. Os votos que o presidente Michel Temer dispôs para evitar por duas vezes que a Câmara dos Deputados autorizasse investigação de denúncias contra ele aparentemente evaporaram. O capital político de Temer se dissipou e nessa conta também se esvaiu dinheiro público. Vastas e generosas concessões foram feitas aos parlamentares para que fossem convencidos a aprovar a reforma. Eles não entregaram a mercadoria, mas as benesses foram concedidas assim mesmo.
O custo da reforma da previdência foi alto e pode ainda subir se os negaceios dos partidos continuarem em fevereiro. No ritmo com que foram aprovadas renúncias fiscais no fim dos trabalhos do Congresso, o teto de gastos logo desabará por obra da irresponsabilidade daqueles que o aprovaram. Com as despesas limitadas por lei, o Congresso partiu para a dilapidação das receitas. Enquanto a manutenção do teto vai exigir cada vez mais sacrifícios de despesas discricionárias, com o avanço dos dispêndios da previdência e da folha de salários dos funcionalismo, a realização do déficit de R$ 159 bilhões exigirá mais esforço da equipe econômica.
O orçamento de 2018, aprovado celeremente nesta semana, tem um buraco de R$ 14 bilhões de aumento de receitas e R$ 7,4 bilhões de corte de gastos propostos por medidas de ajuste anunciadas em agosto que não foram votadas. São o adiamento do aumento salarial dos servidores (R$ 4,4 bilhões), a reoneração da folha de pagamentos (R$ 8,3 bilhões), o aumento da contribuição previdenciária do funcionalismo (R$ 8,3 bilhões) e a mudança de tributação dos fundos exclusivos (R$ 6 bilhões). A receita dos fundos exclusivos foi para o espaço, pois o projeto não será votado em 2017 e para aumento de IR vale o princípio da anualidade. Na melhor das hipóteses, passará a vigorar em 2019. As outras estão em MPs que não foram apreciadas, que podem ser aprovadas ou caducar no ano que vem.
Enquanto se tornaram incertas fontes de recursos propostas pelo Executivo, fazendo corpo mole para sua aprovação, deputados e senadores mostraram-se ativistas enérgicos em atender a pressões de grupos de interesse vindas de todos os lados. Receberam a cobertura do Planalto porque estariam barganhando tendo em vista um objetivo maior, que era a reforma da previdência - que não veio e que talvez não virá.
O Refis do Funrural, com festival de isenções de multas, juros e parcelamentos, significará renúncia fiscal de R$ 15 bilhões em 15 anos. Depois de aprovar novo Refis para as grandes empresas, foi a vez de o Congresso brindar as micro e pequenas empresas e destruir mais R$ 7,8 bilhões em possíveis receitas. Na linha de que todos merecem algum perdão, o Planalto costurou uma MP para aliviar a obrigação não cumprida de empresas de informática de dedicarem 5% do faturamento bruto a pesquisa e inovação. Há pelo menos R$ 10 bilhões que deveriam ter ido para a finalidade e não foram. Eles serão brandamente renegociados.
Os Estados foram também vender apoio a um presidente necessitado e contribuíram mais para a desorganização fiscal do país. O Rio Grande do Norte arranca do Tribunal de Contas da União o "nada obsta" para obter um empréstimo de R$ 750 milhões que será consumido em despesas correntes, como pagamento de funcionários. Um pacote do Congresso aprovou falsas soluções de longo prazo. Os Estados poderão dar os royalties do petróleo em garantia de empréstimos. O Rio, depois de torrar bilhões quando o preço do petróleo era recorde, recebeu autorização para também hipotecar o futuro.
O Congresso já votou o adiamento do prazo final para os Estados quitarem o estoque de precatórios de 2020 para 2024, cerca de R$ 22 bilhões. Para pagá-los, poderão utilizar parte dos depósitos judiciais. Também poderão securitizar dívidas tributárias a vencer.
Ainda que o dinheiro obtido não possa ser usado em gastos correntes, não há dúvida de que é para lá que ele se dirigirá. O problema maior dos Estados não é só o investimento, mas sustentação da máquina pública, que inclui hospitais, escolas e segurança.
Em nome de uma emergência real - a péssima situação financeira dos Estados - chega-se perto de um vale tudo nocivo, um retrocesso. O Planalto não está preocupado com isso. Se a meta de déficit, perto das eleições, se mostrar inviável, ela será naturalmente abandonada.
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