sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

César Felício: Reforma previdenciária, missão cumprida

- Valor Econômico

Factóide permitiu a retomada do controle da agenda política

Uma reforma da Previdência a ser votada na Câmara dos Deputados em fevereiro do próximo ano é antes de tudo um símbolo, ou um factóide de acordo com a eterna, insuperável definição para o termo dada pelo então prefeito do Rio, Cesar Maia, em uma entrevista à revista "Veja" em 1995. "Ideias que você arremessa com certa base de realidade, embora sem grandes possibilidades de ser realizadas". O pai do atual presidente da Câmara chamava isso de um realismo delirante, "diferente do simples delírio, que é pura fantasia".

Rodrigo Maia assumiu o primeiro plano da articulação pela reforma no último mês e meio, pouco depois da rejeição pela Câmara da autorização para o prosseguimento da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer. Fez declarações ora otimistas, ora pessimistas, sobre a capacidade de mobilização do Planalto. No dia 1º deste mês disse que era muito difícil ter os 308 votos, no dia 4 havia toda condição para aprovar, no dia 5 se declarou cheio de esperança, no dia 6 falou em ter apenas 100 votos no plenário, e assim por diante.

Foram semanas em que o Centrão avançou sobre o Ministério das Cidades e a Secretaria de Governo, em que o Congresso aprovou um novo Refis e regras favoráveis aos devedores do Funrural, entre outras concessões feitas pelo governo. Muito se conseguiu com cobranças adiantadas em troca de um apoio futuro. Mas as expectativas geradas por toda a movimentação sempre foram modestas. Quando muito, acreditou-se na aprovação do texto na Câmara em primeiro turno este mês.

O factóide da reforma serviu para reposicionar Temer no cenário político. É consenso que a capacidade presidencial de dar um norte ao país, de revestir o seu governo de nexo e unidade de propósitos, encerrou-se no dia 17 de maio deste ano. A crise desencadeada pela delação da JBS encerrou a fase realizadora de um governo que vive da e para a articulação com o Congresso.

Depois de um inverno em que predominaram as especulações sobre a continuidade ou não do governo, tivemos a primavera em que a sucessão presidencial começou a tomar prumo.

Doria passou a voar baixo, Alckmin tomou conta do PSDB, Luciano Huck avisou que não entrará em cena. O laço judicial sob o pescoço de Lula foi jogado e começaram a apertá-lo, e Bolsonaro apresentou seu possível ministro da Fazenda. Sem o factóide, o núcleo de forças que gravita no Palácio do Planalto aguardaria abúlico e um pouco perplexo seu esquartejamento, com nacos de lideranças indo para Lula, Bolsonaro, Alckmin e outros participantes competitivos da eleição presidencial.

A reforma trouxe para Maia e Temer algo essencial na política, que é a influência sobre a agenda. Quem controla a agenda obriga os demais contendores a serem reativos. Deu-se o freio de arrumação. Maia e Temer ganharam um pouco mais de densidade na hora de negociar a aliança no próximo ano.

Maia e o PMDB deixaram claro ao mercado que o PSDB não é o fiador das reformas, ou pelo menos não é o único a sê-lo, ainda que as classes empresariais pousem os olhos sobre o cenário eleitoral de 2018 e não enxerguem alternativa a não ser a candidatura presidencial tucana. Muito se fala sobre Meirelles ou o próprio Maia como presidenciáveis, mas o cenário mais provável é pensar que Alckmin receberá o apoio do governismo. Resta saber em que termos.

Se o presidente do PSDB for desautorizado em sua posição favorável à reforma pela sua bancada, irá negociar em posição de fragilidade. Algo que está longe de ser impossível: no calendário esboçado pelos tucanos, fevereiro será o mês das prévias do partido, para a escolha do candidato à Presidência e quem sabe para definir o quadro de candidatos a governador.

É factível pensar na aprovação da reforma da Previdência em fevereiro pelos deputados, duvidoso é pensar que o Senado dará celeridade ao tema, em função das eleições. A janela mais concreta para se imaginar algum avanço é entre os meses de novembro e dezembro. A eleição terá terminado e um contingente considerável de senadores não terão renovado seus mandatos. Os parlamentares em processo de saída poderão ter interesse em compor com o presidente eleito. Pode ser que o vencedor das eleições no próximo ano tenha interesse na aprovação do ajuste tal como ele esteja, antes de tomar posse.

O mais provável, contudo, é que o desenlace só aconteça em 2019. O próprio andamento moroso que o tema deverá ter no Senado desestimula os deputados em serem rápidos. Seria correr o risco de pagarem sozinhos o custo de desgaste.

Os investidores preparam-se para constranger o próximo presidente a definir o mais rapidamente possível qual será a agenda. As escolhas para 2019 não são muito amplas: ou se conclui a reforma da Previdência, ou se flexibiliza o teto de gastos públicos, ou quem sabe uma combinação das duas coisas.

Lula
Talvez para tentar manter a tropa da esquerda unida, para desestimular uma aventura de um Guilherme Boulos ou de uma Manuela D'Avila, Lula prometeu referendos para revogar as reformas de Temer, em suas caravanas. Retomou o figurino de um personagem que levou mais de uma década para exorcizar, o do João Ferrador, radical que chega para virar a mesa. Lula tem a capacidade extraordinária de poder ser qualquer coisa, como maldosamente pensa o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e avaliou que cresce em popularidade acelerando na vertente radical.

Não há sinal de Carta ao Povo Brasileiro à vista, os contatos de Lula com a elite empresarial, se existem, são pra lá de discretos e o retorno ao Lula dos anos 80 fez voltar um clima de apreensão no mundo financeiro. Ali de fato o discurso radical do ex-presidente está sendo levado a sério. Sua aproximação com os caciques do PMDB só assusta ainda mais este público, porque imagina-se que isto daria governabilidade a Lula da pior forma possível.

O calvário judicial de Lula também é visto com receio. E se de recurso em recurso, de liminar em liminar, o petista for sobrevivendo? É um quadro de turbulência que, no limite, pode levar o presidente Michel Temer a transmitir o cargo a um interino.

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