Por Cristiane Agostine, Fernando Taquari e César Felício | Valor Econômico
SÃO PAULO - Para uma das principais lideranças nacionais do DEM, o prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto, a sigla deve trabalhar com a hipótese de a candidatura presidencial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ir até o fim nas eleições do próximo ano, apesar da ameaça de obstáculos judiciais com a possível confirmação em segunda instância da sentença que condenou o petista por corrupção.
Para reagir à força de Lula no Nordeste, ACM Neto diz que é preciso construir uma aliança de partidos, sem necessariamente envolver o PSDB do governador paulista Geraldo Alckmin, e com eixo em palanques estaduais fortes. As principais apostas regionais do DEM são Bahia, eleição na qual ACM Neto pode disputar o governo estadual, além de Pernambuco. Na opinião do prefeito, uma aliança de centro tenderia a atrair parte do eleitorado que está atualmente com o deputado Jair Bolsonaro (PSC).
ACM Neto acredita que a reforma da Previdência não deve ser aprovada pelo governo Michel Temer neste ano nem em 2018. O prefeito recomenda "acabar com o desespero de votar a reforma agora" e afirma que essa será uma missão do próximo presidente, que deveria fazer na campanha eleitoral uma espécie de "pacto" pela aprovação das mudanças na aposentadoria.
Para o prefeito, quem for eleito para a Presidência terá o capital político que falta a Temer para tocar as reformas, depois do esforço do pemedebista para barrar o avanço das duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República.
O DEM defenderá em sua convenção, no dia 14, o lançamento da pré-candidatura própria à Presidência, mas não afasta um eventual acordo com o PSDB já no primeiro turno.
O prefeito de Salvador diz que se sente à vontade para renunciar e disputar o governo da Bahia. ACM Neto, no entanto, ainda analisa se terá chances eleitorais, em uma disputa contra o governador Rui Costa (PT), bem avaliado e com a máquina pública nas mãos. A seguir, a entrevista concedida na quinta-feira ao Valor.
Valor: Temer conseguirá aprovar a reforma da Previdência, com a saída do PSDB do governo?
ACM Neto: A reforma não passaria se a votação fosse hoje. O governo não tem 308 votos na Câmara para aprovar a reforma. Fato. E o tempo corre contra o governo e contra a possibilidade de aprovação da reforma. Conhecendo o Congresso como eu conheço, tendo uma opinião muito pragmática, é difícil aprovar a reforma da Previdência. E tem a influência de 2018 sobre o voto dos deputados e senadores. Não quer dizer que eu seja contra ela. O país precisa da reforma, da continuidade dessa agenda.
Valor: É possível votar no ano que vem, por volta do Carnaval?
ACM Neto: Pelo o que tenho conversado com Rodrigo [Maia], ele vai continuar trabalhando na intenção de votar a reforma, mas é muito difícil. O governo queimou muito capital político na articulação do impedimento do avanço das duas denúncias [da PGR]. A base do governo não está completamente alinhada em torno da votação da reforma. E a isso soma-se a pressão eleitoral.
Valor: Com o cenário de que a reforma não será votada, o que isso estabelece em relação à campanha eleitoral e ao próximo presidente?
ACM Neto: Nossa preocupação - e tenho conversado com pessoas do mercado e agentes da economia nacional - é não depositar todas as nossas fichas em votar ou não a reforma da Previdência e na consequência que isso pode ter. A votação da reforma será limitada e o próximo governo vai ter que fazer uma outra reforma da Previdência. Muito mais importante do que depositar todas as fichas agora em votar ou não é garantir que no pacto eleitoral de 2018 haja uma clareza que para o futuro do país ela precisa acontecer. Em 2019, o novo governo, sem dúvida, terá mais força, mais legitimidade para articular com o Congresso essa agenda de reformas em que a da Previdência é a mais importante.
Valor: Dentre as reformas, qual deve ser a prioritária?
ACM Neto: Tem que ter a previdenciária, política e tributária. Tudo no primeiro ano. Isso precisa ser pactuado na campanha.
Valor: Com quem?
ACM Neto: O governo cometeu um erro ao não chamar logo no começo os 27 governadores e os 26 prefeitos de capitais para colocar o debate na mesa. Essa é a missão do próximo presidente. Devemos estar mais preocupados com esse compromisso de 2019 do que com esse desespero de votar a reforma da Previdência agora. Já tivemos avanços importantes neste governo: a aprovação da reforma trabalhista, da PEC que limita os gastos e a continuidade da agenda natural do Congresso. Está se criando e depositando toda uma expectativa em torno de um assunto (reforma da Previdência) que, digamos, a não votação pode trazer sobressaltos desnecessários.
Valor: Como deve ser a participação do DEM na eleição de 2018? Terá candidato próprio à Presidência?
ACM Neto: Temos um cronograma e o primeiro passo será no dia 14, com a convenção nacional. Isso passa pela atualização das comissões provisórias municipais, estaduais e nacional e do programa do partido, no momento em que vamos procurar qual é a mensagem para o futuro. O que coroa esse processo é a possibilidade de apresentar uma candidatura própria à Presidência. O nome de Rodrigo [Maia] está começando a ganhar força. Tenho conversado com outros partidos no campo do centro que têm simpatia e podem se juntar. É uma pré-candidatura que pode se transformar em candidatura, com apoio de partidos que não querem começar 2018 reféns da polarização entre PSDB e PT. Defendo que a gente continue dialogando com o PSDB, mas o diálogo não pode ser apenas em torno do apoio a um candidato do PSDB.
Valor: Rodrigo Maia é mais cotado para continuar no comando da Câmara do que ser candidato à Presidência. O senhor teria disposição em ser o candidato do DEM?
ACM Neto: Sou prefeito e tenho mandato até 2020. [Mas] Não sou dono do meu destino, literalmente. Isso não é um clichê. A minha decisão de deixar ou não a prefeitura para qualquer projeto dependerá muito da vontade da população de Salvador. É óbvio que não posso deixar de dizer que fico satisfeito cada vez que meu nome é lembrado, mas tenho defendido Rodrigo [Maia]. Há uma percepção clara do papel que ele vem desempenhando, sobretudo como garantidor da agenda no Congresso. Rodrigo foi essencial para que o país atravessasse esse momento de turbulência. Não depende apenas da vontade dele ou do DEM, mas vamos deixar claro que queremos ter candidato próprio.
Valor: Quais partidos poderiam se juntar a esse projeto?
ACM Neto: Vamos conversar com PSD, PP, PR, PMDB e PSDB. Temos que ser responsáveis com o futuro do país, inclusive para em um determinado momento avaliar se uma divisão no nosso campo ajuda ou atrapalha. A nossa responsabilidade nos impedirá de permitir, por exemplo, um segundo turno de Lula com Bolsonaro. Tem muita água para correr debaixo dessa ponte. Em 2015, 2016 e 2017 o Brasil viveu Lava-Jato e a pauta foi essa. A pauta de 2018 só está começando a se intensificar agora. A candidatura do Lula vai ser decisiva para definir o desenho da disputa. Se ele for candidato, é uma disputa. Se não for, é outra. Nosso campo não deve contar com a não candidatura dele. Temos que estar preparados para enfrentá-lo como candidato do PT.
Valor: Alckmin agrada ao DEM?
ACM Neto: É um dos grandes quadros da vida pública. Fiz campanha com ele em 2006, quando foi candidato a presidente. Não temos dificuldade em dialogar com Alckmin mas não é neste momento a nossa prioridade. O diálogo pode significar uma aliança para o primeiro turno, mas pode significar também que existam dois projetos e que a eventual aliança só aconteça no segundo turno.
Valor: Uma chapa puro sangue do PSDB, como de Alckmin-Doria, seria o fim da aliança com o DEM?
ACM Neto: Sem dúvida. Não teríamos nem disposição de sentar com o PSDB para conversar se eles quiserem impor chapa puro sangue. Ai o PSDB vai sozinho.
Valor: É importante um vice nordestino?
ACM Neto: Isso não tem o peso que se imagina ter. Ninguém vota em vice. Mais importante do que ter um vice do Nordeste é ter candidatos fortes a governador nestes Estados.
Valor: A chapa deveria ter alguma abertura para a centro-esquerda em contraponto a Lula?
ACM Neto: Sempre fui refratário a definições ideológicas. Meu governo tem muitas ações consideradas de esquerda. Depois que Lula chegou ao poder e assumiu a condução de uma política econômica completamente ortodoxa ele acabou com essa história. Mais importante do que tentar buscar um verniz de esquerda é ter um discurso de eficiência de gestão, planejamento e investimentos na área social a partir de um governo que tenha equilíbrio nas contas. A agenda das reformas vai precisar prosseguir. Será necessário que qualquer candidato à Presidência tenha clareza e fale com sinceridade. O próximo presidente vai ter que dizer que vamos passar por um início difícil e teremos que adotar alguns remédios amargos, mas necessários para que a médio e longo prazo o país encontre outro caminho para o crescimento.
Valor: Enquanto alguns candidatos podem falar em remédio amargo, teremos Lula prometendo a volta à idade do ouro.
ACM Neto: O eleitor está muito consciente. Sabe que não existe super-herói e que ninguém vai fazer mágica. Quando chegar a campanha teremos que ter a capacidade de mostrar que o PT quebrou o Brasil. Lula surfou no crescimento econômico do Planeta. Aproveitou um momento em que as commodities estavam muito valorizadas. A Dilma foi candidata em 2010 com o país crescendo a 7,5%. É praticamente impossível derrubar alguém assim. Depois pagamos um preço enorme, com aumento de déficit público, disparada da inflação e juros na estratosfera. Então, não é voltar à idade do ouro.
Valor: Lula tem dianteira considerável no Nordeste, inclusive na Bahia. Qual a razão para o ex-presidente ter essa maioria depois de tudo o que aconteceu? Como seu grupo vai lidar com o petismo e a força do Lula se ele for candidato?
ACM Neto: A força do Lula não é uma realidade apenas da Bahia, mas de todo Nordeste. Isso deriva do discurso que ele fez ao longo de oito anos de governo, muito focado na região. Lula explorou isso. Olhou o Nordeste de maneira diferenciada, enxergou ali um campo aberto para crescer e cresceu. Ele mudou a realidade do PT. Se for para a década de 90, era o contrário. O PT tinha força no Sudeste e grande dificuldade no Nordeste. Lula chega à Presidência, foca na região, constrói um discurso que tem repercussão com algumas políticas de governo que acabaram tendo impacto direto na vida das pessoas e existe um recall inquestionável em relação a isso. A esse fato que se soma a outra coisa: ainda não existe outra candidatura no campo oposto ao de Lula que possa fazer esse contraponto. No Brasil as pessoas não votam em partido, mas em candidato. Qualquer candidato no nosso campo vai ter que se preocupar muito em construir uma plataforma de propostas para o Nordeste. A essa plataforma de propostas vai ter somar palanques fortes nos Estados, para a candidatura a governador. É a receita para enfrentar essa força extraordinária que Lula ainda tem no Nordeste.
Valor: Os índices de Jair Bolsonaro nas pesquisas não apontam a demanda por um salvador da pátria?
ACM Neto: Não acredito na viabilidade do projeto de Bolsonaro, apesar do meu respeito a ele. Uma parte importante de seus eleitores são de centro. Quando enxergarem uma candidatura viável, competitiva e muito mais equilibrada e serena neste campo, vão migrar. Além disso, vamos ter eleições curtas. Serão 45 dias de campanha. O tempo de TV vai continuar a fazer toda a diferença. Bolsonaro não tem estrutura partidária, tempo de TV e palanques nos Estados. Não vejo no Brasil espaço para acontecer um fenômeno Trump.
Valor: Henrique Meirelles pode se filiar ao DEM?
ACM Neto: Por enquanto é especulação. Se me perguntar se eu gostaria de tê-lo no DEM, responderia que sim. É bom quadro, ministro respeitável e um nome a ser considerado no tabuleiro político. Mas não existe nenhuma conversa concreta sobre isso.
Valor: O senhor disse que não é dono de seu destino, mas se o DEM quiser será candidato ao governo da Bahia?
ACM Neto: É óbvio que não posso descartar essa possibilidade e estou muito à vontade porque sempre falei com muita abertura e transparência à população. Em 2016, quando me reelegi, não prometi não renunciar, não assinei documento dizendo que ia ficar os quatro anos, então estou muito à vontade para tomar uma decisão, se for o caso, de renunciar. Mais à vontade ainda porque o meu vice-prefeito [Bruno Reis, do PMDB] é uma pessoa que está preparada para ser prefeito e tem plenas condições de dar continuidade ao meu trabalho. Mas só vou avaliar em 2018 se renuncio ou não e qual será meu caminho.
Valor: A oposição tem explorado sua ligação com Geddel e o senhor foi à Justiça para impedir a veiculação de propaganda que mostra o senhor ao lado dele. A Lava-Jato vai influenciar sua decisão?
ACM Neto: O problema não é me mostrar ao lado do Geddel, até porque tem imagens dele com Jaques Wagner, Rui Costa. Geddel foi aliado do PT por muito tempo. O problema é que eles faziam ilação falsa e mentirosa. Geddel é Geddel e ACM Neto é ACM Neto. A Justiça tem que valer para todo mundo. Se Geddel cometeu os atos que é acusado, tem que pagar na Justiça e ponto.
Valor: A gestão do governador Rui Costa aparece bem avaliada nas pesquisas. Isso influenciará?
ACM Neto: Ele não é rejeitado pela população. Tem a máquina de governo, que não pode ser desconsiderada. No entanto, ele tem surfado numa onda sozinho. Eu, como prefeito, não posso ir para um enfrentamento, dizer as coisas que tem de ser ditas e que serão ditas no momento certo. Se eu decidir deixar a prefeitura, aí livre da minha função institucional e do cargo que me limita, farei um trabalho de oposição.
Valor: A sua aprovação caiu um pouco, de acordo com pesquisas mais recentes. Isso vai atrapalhar seus planos eleitorais?
ACM Neto: Queria saber o prefeito no Brasil que tem 70% de aprovação. A pesquisa do início do ano estava contaminada pela eleição de 2016. Nunca tive 86% de avaliação positiva, como mostrou aquela pesquisa. Aquilo foi consequência da eleição. Estou no patamar que sempre tive, de 70%.
Valor: O senhor deve aumentar a tarifa do ônibus no ano que vem?
ACM Neto: Desde 2015 a tarifa de ônibus em Salvador é regulada por um contrato. Fiz a concessão do serviço de transporte. Sou cumpridor de contratos. Já existe um índice de reajuste para todos os anos. Em Salvador, nem empresário de ônibus nem sindicato de ônibus têm que conversar com prefeito sobre a tarifa. O reajuste é definido por uma combinação de índices, mas a grosso modo é a reposição da inflação. Há um estudo sendo feito de reequilíbrio do contrato porque o sistema tem apresentado um déficit operacional. Sem dúvida vai ter reajuste. Não vou cair na tentação do populismo de dizer que, por ser ano de eleição, não vou reajustar. Nunca fiz isso. Não vai ser agora.
Valor: Qual o novo valor?
ACM Neto: Não está definido. Há esse estudo de reequilíbrio do contrato sendo feito.
Valor: O senhor falou sobre a necessidade de palanques fortes nos Estados. Onde o DEM terá candidaturas competitivas?
ACM Neto: No Nordeste, temos eu na Bahia e o (ministro da Educação) Mendonça Filho em Pernambuco. Temos ainda os senadores Ronaldo Caiado em Goiás e o Davi Alcolumbre no Amapá, o deputado Alberto Fraga no Distrito Federal e o ex-prefeito César Maia no Rio. Pelo menos esses já colocam no partido como potenciais candidatos. O partido está crescendo e há expectativa de ganharmos quadros, não só no parlamento, mas de pré-candidatos a governo. Pode ser que esse número aumente.
Valor: Nesses Estados, se o DEM fizer eventualmente uma aliança nacional com o PSDB cobrará o apoio dos tucanos?
ACM Neto: É muito cedo para falar isso. Se defendo uma candidatura própria do DEM a presidente, não posso especular sobre uma aliança com o PSDB. Só vamos tratar as condições da aliança na hora em que estivermos decididos a fazê-la. Não é agora.
Valor: As eleições de 2018 podem representar a volta do protagonismo do DEM no cenário político?
ACM Neto: Sem dúvida. Passamos de quase 120 deputados para 20. Foi o preço que pagamos por manter nossa coerência e os nossos princípios em uma oposição aos governos Lula e Dilma. Enquanto o PT estava muito forte, perdemos tamanho. Na Câmara, onde fui líder três vezes, muitas vezes quem puxava o enfrentamento, tinha coragem de colocar o dedo na ferida era o Democratas, muito mais do que o PSDB. Essa coerência agora foi retribuída. Voltamos a crescer. Temos 30 deputados e devemos chegar a 45 até abril.
Valor: Como o partido passará de 30 para 45 deputados?
ACM Neto: Aproveitamos essa divisão do PSB e estão vindo oito deputados. A decisão que tomamos, de refundar e atualizar o programa, foi conversada com eles. Existem outras circunstâncias locais, onde deputados conversam conosco com a possibilidade de migrarem para o DEM, para construir um projeto maior. Os deputados sabem que o DEM vive um bom momento.
Valor: Quantos deputados o DEM planeja eleger em 2018?
ACM Neto: A expectativa é fazer mais de 40 deputados. Queremos situar o DEM entre os quatro maiores partidos. Se tivermos a candidato a presidente, a perspectiva pode ser ainda maior.
Valor: O partido estuda mesmo uma mudança de nome?
ACM Neto: Estamos conversando. Essa não é uma prioridade. O foco é fazer o alinhamento programático, atualizar as propostas do partido e ter uma ideia muito clara para o futuro.
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