O resultado das contas da União no ano passado, bem abaixo da meta fiscal e das previsões do mercado, ainda não foi bem explicado pela área econômica. A despesa total ficou R$ 30 bilhões abaixo do que foi programado e anunciado, em documento encaminhado ao Congresso Nacional no dia 20 de dezembro de 2017, ou seja, onze dias antes do término do ano. Como é possível um "erro" dessa magnitude em tão curto espaço de tempo?
O que mais impressiona nos dados é que as despesas obrigatórias ficaram R$ 13,2 bilhões abaixo da previsão oficial feita e divulgada para a sociedade no dia 20 de dezembro. Parece razoável considerar que despesas obrigatórias são, por definição, previsíveis. Podem variar um pouco mais, um pouco menos, mas não tanto, em tão pouco espaço de tempo.
As despesas discricionárias (aquelas que o governo pode cortar livremente) ficaram R$ 14,2 bilhões abaixo do que foi programado. Para esta, há pelo menos uma explicação. O governo realizou dois descontingenciamentos de dotações orçamentárias, no fim de novembro e em meados de dezembro, no total de R$ 12,5 bilhões. Ou seja, liberou recursos para os ministérios gastarem.
A informação divulgada pelos jornais é que os ministérios não foram ágeis o suficiente para gastar o dinheiro que ficou disponível. Conseguiram empenhar as dotações, mas não conseguiram pagar. Assim, deixaram toda essa despesa para ser paga neste ano, aumentando a montanha de restos a pagar da União, que atinge R$ 155 bilhões.
O resultado de tudo isso foi que a despesa da União ficou, no ano passado, R$ 50 bilhões abaixo do limite autorizado pela emenda constitucional 95. O déficit do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central), por sua vez, ficou em R$ 118,4 bilhões - R$ 40,6 bilhões abaixo da meta fiscal, definida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
É evidente que quanto menor o déficit primário, melhor. A questão, no entanto, é de outra natureza. O que se pretende é saber por que uma programação orçamentária e financeira não consegue identificar, com razoável antecedência, a verdadeira trajetória da despesa pública.
O país viveu, em passado recente, tempos de uma obscura contabilidade criativa. O que mais se pede, atualmente, é que os dados sejam transparentes para que o cidadão, que paga a conta, possa acompanhar o que está sendo feito.
A transparência não foi a única afetada. O desempenho fiscal da União no ano passado jogou o país em uma situação, no mínimo, paradoxal. Em pleno ajuste fiscal, o governo anunciou, na sexta-feira, uma programação orçamentária e financeira do Tesouro Nacional que projeta um aumento do gasto neste ano de R$ 92,6 bilhões, na comparação com 2017, conforme reportagem publicada nesta edição.
Para se ter uma ideia do que isso significa, a despesa total da União em 2017 aumentou "só" R$ 29,6 bilhões, quando comparada a 2016. Assim, a programação orçamentária e financeira divulgada pelo governo na semana passada prevê uma elevação do gasto de três vezes o crescimento verificado no ano passado.
A despesa programada vai crescer 7,2%, ficando maior do que a inflação prevista oficialmente para este ano, de 3,9%. Haverá, portanto, forte aumento real do gasto, algo que soa estranho para um país que prevê um déficit primário de R$ 161 bilhões em suas contas públicas. Vale lembra que déficit significa aumento do endividamento público, que terá que ser pago no futuro.
Não está correto dizer que o governo simplesmente fez a sua programação baseada no Orçamento aprovado pelo Congresso. Quando a peça orçamentária foi aprovada, nenhum deputado ou senador tinha a menor ideia de que estava aprovando uma despesa que cresceria 7,2% em relação a 2017. Ao contrário, o argumento oficial apresentado foi que se tratava de um Orçamento extremamente apertado e que seria difícil cumprir o teto de gasto em 2018.
Com os dados divulgados na semana passada, ficará difícil ao governo convencer os cidadãos de que empreende um programa de ajuste fiscal. A impressão que fica é que o ajuste durou apenas um ano.
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