-Valor Econômico
Em busca de votos, presidenciáveis se escondem no centro
Antes mesmo de desocupar a Prefeitura de São Paulo, o administrador João Doria Jr. já estava disparando adjetivos contra um de seus principais concorrentes ao Palácio dos Bandeirantes. Valendo-se do "Socialista" presente no nome do partido do governador Márcio França (PSB), Doria colocou em marcha a "estratégia" eleitoral de pregar no rival a pecha de esquerdista.
Semana passada, em entrevista à Rádio CBN, a presidenciável Marina Silva foi questionada se ainda se considerava uma liderança identificada com a esquerda. A ex-senadora não fugiu ao seu estilo. "Quando me perguntam e ficam insistindo nisso, digo que eu sou sustentabilista progressista, que é uma outra visão de mundo".
Chamado por Doria de Márcio "Cuba", o governador de São Paulo se defendeu. Disse que, se de extrema esquerda fosse, não teria apoiado a candidatura de Doria em 2016. A despeito da tática empregada agora contra França, o ex-prefeito não se assume direitista. Indagado, responde que é "brasileiro".
O fim do ciclo de expansão econômica protagonizado por governos de esquerda vem deslocando para a direita o pêndulo político da América Latina. O movimento abriu espaço para ataques mais contundentes à esquerda, mas não foi capaz de eliminar o ranço de autoritarismo que há décadas persegue a direita - especialmente por conta dos regimes militares na região.
No Brasil, a derrocada petista causou danos inimagináveis para a esquerda. No auge dos anos Lula, oposicionistas com reais pretensões de poder não ousavam criticar a esquerda e jamais se colocavam como membros da direita. Nas eleições presidenciais de 2006, o candidato tucano Geraldo Alckmin tentou se apresentar como liderança de centro-esquerda. Quatro anos depois, José Serra usou imagens de Lula em seu programa.
Entre esses dois pleitos, o PFL, então o principal partido da direita nacional, decidiu, numa estratégia de sobrevivência, trocar a embalagem, apresentando-se como uma força de centro. Nascia o Democratas (DEM), primeira da nova safra de partidos que rejeitam o "P" nas iniciais.
Com a queda de Dilma, o jogo começou a mudar mais rapidamente. A esquerda foi apontada, com certa razão, como principal responsável pelo sumiço de 8% do PIB. Nesse ambiente, forças conservadoras se sentiram à vontade para criticar abertamente a esquerda, mas quase ninguém se coloca como representante da direita.
A campanha presidencial deste ano atesta esse quadro. Com Lula fora do jogo, quase nenhum dos candidatos considerados competitivos reivindica o estigmatizado carimbo de direita ou esquerda.
A única exceção é o deputado Jair Bolsonaro e sua indecifrável miscelânea de pensamentos. Direitista assumido, o capitão já manifestou mais de uma vez ideias estatizantes, um palavrão para os seguidores do seu campo. Em um vídeo na internet, ele atesta seu (des)conhecimento sobre o tema: "Os esquerdistas só vão ter credibilidade quando venderem os seus iPhones".
Entre os demais postulantes, as posições não são tão claras. De olho no espólio de Lula - vindo todo da esquerda -, o ex-ministro Ciro Gomes faz firula antes de manifestar sua corrente política. "Não digo que sou (de esquerda) por modéstia. Porque se atribui uma superioridade moral que eu não reconheço mais na conjuntura brasileira ao adjetivo esquerda", disse ele em uma entrevista recente.
Se considerado, no entanto, o substantivo "esquerda", o presidenciável do PDT garante pertencer a esse campo. "São valores universais, perenes e para sempre, e a eles eu devotei a minha vida", argumenta Ciro.
De resto, todo mundo quer ser do centro, que virou "centrão" amamentado pelo ex-deputado Eduardo Cunha, hoje esquecido em uma cela no Paraná. Em sua segunda tentativa de ser presidente, Alckmin deve se mostrar menos "esquerdista" do que em 2006, mas não vai arriscar uma ligação explícita com a direita, à qual é naturalmente vinculado.
Consideradas amigáveis ao mercado - e sua simpatia pelo Estado mínimo -, as pré-candidaturas de Rodrigo Maia e Henrique Meirelles também não serão apresentadas como sendo de direita. O presidente da Câmara, inclusive, tem criticado em sua pré-campanha a carga tributária incidente sobre a população mais pobre. O ex-ministro da Fazenda ainda não revelou como pretende se afastar da pecha de candidato da direita e, se amparado no mundo real, terá alguma dificuldade para fazê-lo.
Ironicamente, pesquisas de opinião apontam que a maioria do eleitorado defende ideias associadas à direita, especialmente em relação a temas como aborto, legalização das drogas e maioridade penal.
O bom desempenho do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa nas últimas sondagens, contudo, atesta o potencial de uma candidatura de convergência entre esquerda e direita. Os números do juiz do mensalão mostram que a intolerância com a corrupção agrada gregos, enquanto que a trajetória e as manifestações críticas ao impeachment de Dilma satisfazem troianos.
Não foi à toa que ele escolheu o PSB, do "socialista" Márcio França. Satélite do PT por muito tempo, o partido se rebelou em 2014, apoiou Aécio Neves e o impeachment, mas recentemente se arrependeu e tenta uma reaproximação com a esquerda. Acabará ajudando a congestionar mais o centro.
Por fim, o movimento recente do "comunista" Aldo Rebelo é mais um sinal de que o GPS da política brasileira requer ajustes. Ministro no governo do PT e integrante do PCdoB por quase 40 anos, Rebelo vai disputar o Planalto pelo Solidariedade. O partido é inspirado no ex-presidente da Polônia Lech Walesa, muito comparado a Lula. Na real politik brasileira, porém, apenas serviu aos interesses de Eduardo Cunha e mendigou cargos no governo Temer.
Outro ex-prefeito de São Paulo foi alvo de chacota quando cunhou uma das pérolas da política nacional, ao dizer que seu PSD não seria "nem de direita, nem de esquerda, nem centro". Gilberto Kassab mostrou-se, na verdade, um visionário, que desde 2011 vem trocando de barco sem tocar o pé na água. Por enquanto, somente Marina e Doria conseguiram elaborar uma saída para o enigma de Kassab. A temporada de neologismos está aberta.
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