- Valor Econômico
É preciso mais do que a queda da Selic para o país crescer
A atividade econômica está sob o domínio da política. O inquietante quadro eleitoral do país é parte importante da revisão generalizada das estimativas de crescimento para este ano. O próprio governo reduzirá seus prognósticos de 3% para cerca de 2,3% a 2,5% na semana que vem, quando da divulgação do relatório bimestral de receitas e despesas com os novos parâmetros macroeconômicos.
No mercado, a mudança de rota indica que a expansão do PIB deverá se situar entre 1,5% e 2,5%. Consumo e investimento estão fracos e não mais se vislumbra o cenário que a área econômica imaginava para os próximos meses do ano - com significativa melhora no mercado de trabalho e na produção.
Os sinais da fragilidade na retomada do crescimento se confirmaram no Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que teve queda de 0,13% no primeiro trimestre deste ano em relação ao último trimestre de 2017.
O PIB do primeiro trimestre deve ficar na casa de 0,2% em comparação com igual período do ano anterior e, no ano, em 2,3%, segundo Silvia Matos, economista do Ibre/FGV. Pelo menos dois fatores diferenciam a modesta performance do consumo neste ano da expansão do ano passado: a desinflação que teve impacto positivo na massa de rendimentos em 2017; e a liberação das contas inativas do FGTS, que injetou algumas dezenas de bilhões de reais na economia. A massa ampliada de rendimentos, que cresceu 5,4% no ano passado, deve ter acréscimo de apenas 0,4% neste exercício.
Sílvia Matos estima um aumento de 2,8% no consumo das famílias e de 0,3% no consumo do governo. Para os investimentos, a situação também não é animadora. Ela projeta expansão de 4,3%. Os ventos internos e externos estão invertendo a direção.
Por atividade, as projeções são de expansão de 2,9% para a indústria, 1,9% para a agropecuária e de 1,8% para o setor de serviços. Não há clareza, por enquanto, em relação ao impacto da crise na Argentina sobre a indústria automobilística brasileira.
Contrariando a aposta dos mercados numa candidatura de centro para onde convergiriam os maiores partidos, Jair Bolsonaro (PSL) e Ciro Gomes (PDT) são os dois candidatos que, no momento, ameaçam disputar o segundo turno das eleições.
O primeiro quer armar toda a população e o segundo disse, até agora, que vai desfazer tudo o que o governo Temer fez e que tanto agradou o setor real da economia. "Nessa perspectiva, fica a pergunta: Quem vai botar a mão no bolso para investir no país?", indagou uma alta fonte oficial.
Sem crescimento da oferta de emprego de boa qualidade - o que aumenta é o emprego informal - e sem crédito a demanda não cresce e, sem segurança no futuro, não se aumenta o investimento. Portanto, não há elementos para estimular a incipiente recuperação.
"Falta tração na economia", resumiu o presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, em entrevista recente ao Valor. Ele atribui parte do arrefecimento da atividade ao fracasso da reforma da previdência. As expectativas mudaram, segundo Dyogo, quando ficou claro que não haveria mais votação da proposta de reforma neste ano.
A inflação, em contrapartida, está sob controle, baixa e até bem pouco tempo havia o risco de o IPCA repetir 2017 e furar o piso da meta. Esse conforto permitiu ao Banco Central reduzir a Selic por 12 vezes consecutivas.
Os juros saíram de 14,25% ao ano em outubro de 2016 para 6,5%. Pelo nível de atividade e pela inflação, poderiam cair mais.
O Comitê de Política Monetária (Copom), no entanto, encerrou na quarta-feira o ciclo de corte da taxa Selic, em uma decisão surpreendente para a maioria do mercado, mas muito correta, na visão de vários economistas da área financeira.
Há um choque cambial vindo da mudança do cenário externo, oriundo da normalização da política monetária americana. O aumento dos juros nos Estados Unidos diminui o apetite ao risco e atrai investidores que estavam aplicados em economias emergentes. Ontem os juros dos títulos americanos de dez anos atingiram 3,1%. Há uma mudança do paradigma de juros real no mundo, notou uma fonte.
O dólar, que se fortalece frente às demais moedas, acumula apreciação de 18% sobre o real em doze meses, com impacto sobre a inflação doméstica.
As expectativas de inflação para este ano, segundo a pesquisa Focus do BC, encontram-se em torno de 3,5%. O comunicado do Copom ressaltou, porém, que no cenário com juros constantes a 6,50% ao ano e a taxa de câmbio constante a R$ 3,60 por dólar, as projeções de inflação sobem para cerca de 4,0% neste e no próximo ano. Ontem o dólar encerrou o dia cotado a R$ 3,70.
O risco de terminar 2018 com a inflação medida pelo IPCA abaixo do piso da meta, portanto, se dissipa diante das novas condições externas. A meta é de um IPCA de 4,5% com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual, com piso de 3% e teto de 6%.
O Copom mostrou-se preocupado e foi conservador, tratando de preservar as conquistas da política de desinflação conduzida nos últimos dois anos até aqui.
O comitê reconheceu no comunicado que, diante dos choques externos, há risco de subida da inflação e foi firme no propósito de não tolerar pressões inflacionárias.
A Selic de 6,50% ao ano deverá permanecer inalterada nas próximas reuniões do Copom. O comitê salientou, porém, que "os próximos passos da política monetária continuarão dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação".
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