- O Estado de S.Paulo
Desde escândalo das fitas, Brasil abandonou agenda de ajuste fiscal estrutural
Tudo parecia caminhar bem para a economia brasileira no início do ano, com a inflação sob controle, juros em baixa histórica e atividade em recuperação. O desemprego permanecia altíssimo, mas era questão de tempo até que as coisas melhorassem.
Havia, claro, o gigantesco rombo estrutural das contas públicas, mas o mercado internacional estava tolerante e daria tempo ao País até que um candidato centrista e moderado começasse a atacar o problema no início de 2019, depois de vencer as eleições este ano.
O BC, entretanto, veio fazendo e repetindo o mesmo alerta desde pelo menos o ano passado: havia dois riscos relevantes para a economia e, pior ainda, a possibilidade de que ambos ocorressem ao mesmo tempo. O primeiro era o risco de que o Brasil não fizesse as reformas necessárias para atacar o problema do déficit fiscal estrutural.
Na ata da reunião do Copom de julho de 2017, por exemplo, pouco depois do escândalo das fitas que pôs a pique a reforma da Previdência, o BC escreveu que “a incerteza sobre a velocidade do processo de reformas e ajustes na economia (principalmente fiscais e creditícias) permanece como fator de risco principal”.
O outro risco, também reiterado ad nauseam pelo BC, era de que o cenário externo ultralíquido e complacente mudasse para pior.
Na ata de fevereiro deste ano, o BC não poderia ter sido mais explícito sobre o perigo da combinação dos dois fatores: “Uma frustração das expectativas sobre a continuidade das reformas e ajustes necessários na economia brasileira pode afetar prêmios de risco e elevar a trajetória da inflação no horizonte relevante para a política monetária. Esse risco se intensifica no caso de reversão do corrente cenário externo favorável para economias emergentes”.
Pois bem, aconteceu. Desde o escândalo das fitas, o Brasil abandonou a agenda de ajuste fiscal estrutural e, nos últimos meses, o cenário externo virou para pior.
Há, na verdade, um terceiro fator do qual o BC, órgão técnico de Estado, compreensivelmente não trata diretamente na sua comunicação: o risco político da eleição presidencial. De certa forma, esse risco está indiretamente contido na fórmula da “frustração sobre a continuidade das reformas”. A cada vez mais possível vitória de um candidato populista não traz a menor segurança de que as reformas serão retomadas.
Nos últimos dias, e especialmente ontem, os mercados brasileiros entraram quase em pânico. A Bolsa já devolveu todos os ganhos dos primeiros meses de 2018 e entrou em território negativo no ano. A alta do dólar ante o real já se aproxima de 20% desde o início de janeiro. E o pior: os juros de mercado dispararam punitivamente, e vão fazer um estrago numa economia que já se arrastava, afetando negativamente o emprego, a renda e a vida de milhões de brasileiros.
A piora recente se intensificou quando, na última reunião de maio, o Copom manobrou mal e assustou o mercado mantendo a Selic em 6,5%, após sinalizar que cortaria para 6,25%. Já a greve dos caminhoneiros fez o mercado finalmente despertar para o risco da vitória de um populista nas eleições.
Quando não se faz a coisa certa principal, há uma tentação de se atribuir as más consequências a erros de natureza mais operacional, tática.
Dessa forma, é possível que alguém ache que o erro do BC em maio ou a greve dos caminhoneiros sejam os “vilões” da atual crise. Outros criticarão o timing, a forma e a intensidade das intervenções do BC nos mercados cambial e de títulos. Ledo engano. Tudo isso importa, claro, mas as causas da atual crise já estavam detalhadamente previstas nas atas do Copom: o sistema político e a sociedade decidiram jogar para o futuro o conserto do rombo fiscal, contando com um Deus brasileiro e um duradouro cenário externo amigável. O inverno, porém, chegou, e a cigarra vai ter de enfrentar o frio ao relento.
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