- Valor Econômico
Quem está ao centro carrega um fardo nesta eleição
Há uma queda de braço entre especialistas eleitorais, relevante para se tratar neste espaço porque diretamente relacionada com a capacidade de se traçar prognósticos eleitorais. Fatores conjunturais terão força suficiente para quebrar um fenômeno de longa duração no Brasil, que é a polarização PT/PSDB?
Há todo um arcabouço que blinda o sistema político brasileiro de intervenções externas, ou que pelo menos tenta blindá-lo. A desproporção de forças na distribuição dos fundos públicos e do tempo de rádio e televisão, a eleição casada com a renovação de governos estaduais, assembleias legislativas e Congresso, o pouco tempo de campanha. Trata-se de uma catedral minuciosamente erguida, ano após ano, para expurgar o novo e produzir um moto perpétuo entre os mesmos de sempre.
No livro "O Voto do Brasileiro", Alberto Carlos Almeida leva essa premissa ao paroxismo. Ninguém vai tão longe quanto ele ao afirmar que quem quer que o PT ou o PSDB apresente como candidato tende a estar no segundo turno, dado ao peso do primeiro no Nordeste e do segundo no Sul-Sudeste, que eleitoralmente se equivalem.
Os tucanos contam com São Paulo e Paraná, os petistas reinam na Bahia e no Ceará, Minas Gerais é um pouco dividida e assim por diante. É a luta entre os que têm pouco dinheiro e dependem muito do Estado contra os que têm renda alta e não precisam da máquina pública. Simples assim. "Nossas eleições presidenciais são previsíveis" é a primeira afirmação feita pelo autor, para quem o padrão de voto inaugurado em 2006 "é permanente".
Almeida se arrisca bastante, mas não é o único a fazer essa aposta. Muitos analistas políticos pensam mais ou menos dessa maneira e essa também é a crença, no caso muitíssimo interessada, de boa parte da elite política brasileira.
Para outra corrente de analistas, o problema deste tipo de visão, de tomar a ciência política por uma matriz matemática, é desconsiderar o processo. "Esse tipo de conta funciona muito bem para eleição de deputado. Você tem ondas de informação que a análise de dados e números das eleições anteriores não pegam", diz o professor Carlos Melo, do Insper.
Ele em seguida enumera as variáveis desestabilizadoras da análise desde 2014: Lava-Jato, impeachment, o escândalo da JBS, a mais prolongada recessão econômica da história, o líder das pesquisas na cadeia. "Acho um pouco de loucura pensar que isso tudo não descola a eleição presidencial do padrão anterior", comentou.
Há realmente motivos para pensar que essa será uma eleição sem precedentes. Até o momento a pré-campanha traz poucas novidades. Quem já foi candidato anteriormente viveu dias melhores em outras ocasiões. É uma regra que vale para Marina Silva, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Fernando Collor, Guilherme Afif e até Luiz Inácio Lula da Silva. Todos contam com perda de eleitorado em uma perspectiva longa de tempo. Ao menos por ora, não agregaram.
Entre as novidades, há dois que conquistaram aderência: Alvaro Dias e Jair Bolsonaro. Todos os demais inexistem. O primeiro, com desempenho consistentemente bom nas pesquisas, disse que sua candidatura não é inamovível. Negocia algo, que ainda não está muito claro. Bolsonaro representa uma mudança de patamar no eleitorado radical de direita.
Candidatos como ele não são inéditos. O integralista Plínio Salgado conquistou 8,5% em 1955. Enéas Carneiro teve 7% em 1994. O deputado tem nas pesquisas mais ou menos o dobro disso. E no caso de Bolsonaro, se o teto pode parecer baixo, o piso é alto: ele consegue na pesquisa espontânea percentual de voto próximo ao obtido na estimulada.
Alckmin ganhou concorrentes sólidos à direita, é o que anota Carlos Melo. Este é um fenômeno absolutamente novo. O PSDB se preparava desde 2014 para fazer a sua conversão para o neoconservadorismo, trabalhado que estava nas redes sociais e afinado no discurso anti-Estado e anti-PT, quando o tanque de Bolsonaro e a cidadela sulista erguida por Alvaro Dias empurraram os tucanos de volta para o centro.
O mais angustiante em ser um candidato de centro é que o centro, como discurso político, não tem como pautar o debate. O que é exatamente ser "do centro" em relação ao aborto? ou na questão da reforma da Previdência? ou em relação à maioridade penal? o que é um modelo de saúde pública "de centro"? o que existe são candidatos, que, por uma questão de estratégia política, evitam tomar definições sobre um ou mais temas, ou, por uma questão de contingência, armam alianças carregadas de contradições.
Quem está ao centro, em um primeiro turno, caminha no éter. Deus vomita o que é morno, e não o frio ou quente, já diz o livro do Apocalipse. Como irá ditar o ritmo da eleição quem trafega no meio termo?
Existe uma disjuntiva nesta eleição: o contraste entre a ruptura e a permanência. Em um ambiente perturbador brasileiro, é razoável pensar que o voto por algum tipo de ruptura encontra ressonância. Bolsonaro e em alguma medida Dias, mesmo estando no "metier" desde os anos 80, conseguem ser vistos como novidades.
Há outra dicotomia, que se nutre dos efeitos de uma crise econômica inaugurada em 2014. Sem esperança em relação ao futuro, voltam-se os olhos com vigor para o passado. Seja ao ontem representado por Lula ou ao anteontem do regime militar, simbolizado por Bolsonaro. Não se trata do governo Lula real ou do que foi de fato o regime militar, mas a versão idealizada dos dois. É o lulismo e o militarismo tal qual se apresentam em determinados segmentos do imaginário popular. O passado é um refúgio.
Se na faixa "azul" apareceu concorrência aos tucanos, o caos se instalou no outro universo, o mundo "vermelho". É nítido o movimento de migração de Lula para o voto branco ou nulo. O lulismo declina, inexoravelmente, sem que seus concorrentes na esquerda e na centro-esquerda se fortaleçam. Nos últimos dois meses, desde a prisão de Lula, todo o trabalho do PT foi evitar a tomada hostil de seu território pelos partidos que concorrem nas faixas de esquerda e centro-esquerda. Travou o jogo.
A pesquisa telefônica do Ipespe, encomendada pela corretora XP Investimentos, projetou pela primeira vez o potencial de transferência de votos do ex-presidente. De cada três votos do lulismo, um está indo para Fernando Haddad, professor da USP, raro exemplo de prefeito de capital, que, tentando a reeleição, não conseguiu ir para o segundo turno.
A pesquisa não examinou - e poderia tê-lo feito - qual a transferência de votos que poderia haver para outros nomes. Sugere, entretanto, que se algo da antiga polarização sobreviver, será no sentido de marcar ainda mais a radicalização do cenário.
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