- O Estado de S.Paulo
O que desejam para suas cidades, para o País? Sem eles, para onde vamos?
A poucos meses da próxima eleição, quase não se têm indicações do que pensam os eleitores, do que desejam para suas cidades, para o País, que futuro esperam para seus filhos. As poucas aspirações em pesquisas sugerem o “fim da violência”, renda menos desigual, por aí. E os candidatos, o que eles dizem, de modo geral? E os jornalistas, de que tratam?
A memória dá um salto de mais de meio século para trás, quando o autor destas linhas começava sua vida no jornalismo como redator (hoje seria copidesque) na então Folha da Manhã, antecessora da Folha de S.Paulo. Um dia, o então secretário do jornal, Mário de Araújo Lôbo – competente, extremamente ético –, pediu que reescrevesse a matéria de um repórter sobre um homem de menos de 40 anos que, desempregado havia muito tempo, sem conseguir sustentar a família, matara a mulher e os filhos pequenos e, com a última bala do revólver, se suicidara. Lôbo escreveu no novo texto as indicações para a oficina do jornal: “uma coluna, página 14”. Indagado por que publicava uma notícia como aquela sem nenhum destaque, perdida numa página interna, ele perguntou: “Você faria o quê?”.
A resposta foi imediata: “Daria na primeira página, com muito destaque”. E ele: “Há alguns anos fiz o que você está sugerindo, publiquei uma notícia semelhante na primeira página, com destaque. Nos dias que se seguiram apareceram várias notícias de chefes de família desempregados e desesperados que mataram a família e se suicidaram. Não tenho como saber se algum deles encontrou no jornal o seu caminho; mas não tenho coragem de publicar outras notícias como essa na primeira página, chamar a atenção para o desfecho terrível. Então, faço isso, publico em página interna, sem nenhum destaque. Se alguém tiver outra solução que me indique”.
Encerrado o expediente daquela noite, conversamos longamente sobre o assunto. Lôbo enfatizava que jornalistas muito raramente discutiam a questão de sua responsabilidade pessoal nas notícias que apuravam e publicavam; notícias que poderiam apontar caminhos pessoais e sociais para os leitores – responsabilidade que não era apenas dos editores ou do jornal, era também de quem apurava o fato e o reproduzia na medida de suas crenças pessoais, responsabilidades e possibilidades no órgão onde trabalhava.
Hoje, o que fazem ou deveriam fazer os jornalistas no universo caótico, violento, que nos cerca, no mundo, no País, na nossa cidade? Têm autonomia para reproduzir tudo? Perguntam-se a si mesmos quais seriam as consequências? Discutem com seus chefes? Sentem a consciência pesando em certas circunstâncias – que pensamos do fato de termos no País mais de 12 milhões de desempregados? De termos mais de 11 milhões de jovens “nem-nem”, que não estudam nem trabalham, que futuro os aguarda? Da iníqua distribuição de renda no País; já com uma taxa de homicídios em torno de 30 por 100 mil pessoas – altamente concentrada numa minoria exígua? A que atribuem a progressão da violência no País? Como veem o crescimento desenfreado das cidades, atendendo quase apenas aos interesses de loteadores e construtores? Se puderem manifestar-se, que dirão das nossas horripilantes taxas de homicídios (mais de 60 mil mortes por ano) – a que as atribuirão? E a fome diária de 23 milhões de pessoas, estampada na comunicação? Alguém está preocupado em dar-lhe solução? E para os 6,9 milhões de pessoas sem casa nenhuma, própria ou alugada? Para os 12,6 milhões de desempregados e em busca de trabalho? Para mais de cinco mortes em acidentes de trabalho a cada dia? Enquanto isso, o desperdício de comida aqui e em toda parte chega a 1,3 bilhão de toneladas diárias.
Há quem pense que o poder público possa resolver boa parte, pelo menos, dessas dramas. Mas como fará antes para saldar a dívida pública nacional (da União, dos Estados e municípios), que está em mais de R$ 5 trilhões pela primeira vez, ou 75,9% do produto interno bruto (Estado, 31/5). Passaremos todos a trabalhar em dobro? Ou vai-se promover uma redistribuição da renda? Como, se hoje as projeções indicam que o produto interno bruto do País – para o qual se projetava no começo do ano um crescimento acima de 4% – crescerá somente, segundo os mais otimistas, 2% ou pouco mais (Estado, 17/5).
Tudo isso a sociedade precisaria estar discutindo com os candidatos às próximas eleições. Não basta dizer que se é contra a corrupção Nem informar apenas que “é preciso reformar a Previdência”. Que se vai fazer diante da espantosa diferença entre os índices mais altos para a aposentadoria no setor público e muito mais baixos para o setor privado? Que razões justificam isso? Mas é preciso, ao discutir com os candidatos, estar preparado para contrapor razões. Nesse e em outros temas. Um dos mais urgentes é a nossa dependência quase total do sistema rodoviário para passageiros e cargas. Num Estado como Goiás, por exemplo, a queda no transporte de cargas por ferrovias continua muito forte, menos 40% em cinco anos – quando um maquinista pode transportar carga equivalente à levada por 200 caminhoneiros.
O modelo embutido em quase toda a nossa comunicação subentende que a imensa maioria dos nossos meios de informação ou divulgação difunde as notícias que atendem apenas aos seus critérios, sem cogitar do que pensa o seu público e cada um de seus integrantes. Esse modelo de mão única, evidentemente, implica muitas consequências negativas, a começar por não contribuir para formar uma opinião pública que se fortalece e uma consciência social desejável, que faça avançar o desenvolvimento social.
Nosso crescimento social dependerá muito do avanço nas duas direções: uma consciência maior do público que é informado e que, nessa medida, apoie uma comunicação que contribua para o avanço real do País e de todos o cidadãos.
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*Jornalista
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