Com a intenção de abrir espaço para gente nova, governador do Espírito Santo diz que decidiu não disputar a reeleição ao cargo
Italo Nogueira – Folha de S. Paulo
RIO DE JANEIRO - Apontado como referência de “outsiders” que desistiram da disputa presidencial, como Luciano Huck e Joaquim Barbosa, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (MDB), 61, afirmou que o sistema político atual “é avesso a renovação”.
Hartung decidiu não disputar a reeleição ao cargo a fim de abrir espaço para “gente nova”. Mas reconhece que, apesar dos movimentos para mudança de nomes na política, “essa eleição não será o escoadouro para essas lideranças”.
“Está em curso um processo de formação de lideranças no país. As últimas duas gerações formadas são do período do golpe militar e da reconstrução democrática. Agora há um conjunto de movimentos buscando formar lideranças. Essa eleição não será o escoadouro para elas. Essa o status quo conseguiu dar um nó”, disse ele à Folha, por telefone.
O governador ainda não decidiu qual presidenciável apoiará. Evita comentar os nomes disponíveis, dando ênfase ao desejo de uma “agenda reformista” que combine responsabilidade fiscal, redução da atuação do Estado na economia e garantia de projetos sociais.
Contudo, o cenário atual para ele é de risco. “O Brasil está vivendo um surto grave de populismo. O espaço para o debate político está empobrecido nos bravateiros”, afirmou.
O emedebista pretende deixar seu partido. Aguarda uma reforma política que defina melhor o perfil das siglas para buscar uma de centro-esquerda.
• Por que o sr. decidiu não tentar a reeleição?
Quando eu me elegi em 2014, anunciei que ia me esforçar a fazer um bom governo, mas que não iria para um quarto mandato [Hartung cumpriu dois mandatos de 2003 a 2011] . Evidentemente agrega a isso elementos da vida. Nós estamos vivendo um sombreamento da política. As instituições da democracia representativa estão em crise.
No Brasil, isso é muito pior: há a pior recessão econômica da história do país, uma crise social brutal e uma crise ética. Minha decisão de não disputar mandatos não é sair da discussão política. Mas ocupar mandatos não é um bom caminho para mim.
• Por quê?
É momento para colocar gente nova na política.
• O sr. foi mencionado como possível vice na chapa do apresentador Luciano Huck e elogiado por Joaquim Barbosa, dois “outsiders” que desistiram da candidatura. Sendo uma espécie de ponte entre a velha e nova política, o sr. não poderia contribuir para essa transição?
O gesto de desapego tem um valor inestimável. O olhar da sociedade é de que as lideranças buscam poder a qualquer custo. Não é errado. Tem hora que é importante marchar contra o senso comum.
• Por que a candidatura deles não vingou?
Porque temos duas placas tectônicas. Uma que quer renovação e [na outra] um sistema político que aprisiona essa possibilidade.
Quando você olha a estrutura partidária, fundo partidário, tempo de televisão, essa arquitetura é para manter o status quo. Quando você pega uma pessoa da sociedade que se anima para participar, o olho brilha, como eu vi no Luciano, ou no Joaquim, Bernardinho.
Mas quando se depara com a estrutura política do país, dá marcha à ré. A estrutura política do país é avessa a renovação, é pró-continuismo. Não sei qual vai ser a resultante disso. Uma coisa o status quo conseguiu: fez com que muita gente nova que pensava entrar na política recuasse.
• Há caminho para uma renovação nas eleições seguintes?
Está em curso um processo de formação de lideranças no país. As últimas duas gerações formadas são do período do golpe militar e da reconstrução democrática. Depois disso, não há um grande movimento de formação de quadros no país. Agora há um conjunto de movimentos buscando formar lideranças. Essa eleição não será o escoadouro para elas. Talvez a municipal [de 2020] tenha uma presença maior. Essa o status quo conseguiu dar um nó.
• Qual sua avaliação sobre a disputa presidencial?
A decisão vai começar a aparecer nos últimos dez, 15 dias de campanha. Precisamos ver o conteúdo dessas campanhas. Eu sou um reformista.
A questão do nosso país é de agenda. Dá para ter uma Previdência que nós temos hoje? Claro que não. Estamos vivendo mais e melhor. O sistema previdenciário tem que evoluir, precisamos de uma idade mínima. Temos que entrar numa agenda macro e micro econômica que modernize.
Mas o Brasil está vivendo um surto grave de populismo. Nesse momento, só ganha ponto quem vende terreno na Lua. O espaço para o debate político está empobrecido nos bravateiros. Minha esperança é que, começando a campanha, a gente consiga chegar ao povo brasileiro com a agenda correta. O brasileiro está, com razão, tão irado, que o que ele deseja é chutar o pau da barraca. Precisamos, na campanha, explicar na cabeça de quem vai cair essa barraca.
• O sr. vê algum candidato com essa agenda?
Nenhum candidato está falando isso com clareza.
• Bolsonaro tem conseguido o apoio de alguns economistas, como Paulo Guedes, que defendem uma agenda reformista. Como sr. vê esse movimento?
É um baita equívoco. Se quer conhecer a cabeça do Bolsonaro, veja a votação no Congresso Nacional. É uma cabeça estatista.
• Por que ele conseguiu angariar esses apoios?
Porque o ambiente é de surto de populismo. São frases de efeito, coisas simplórias, tratando de temas complexos. Respeito todo mundo, mas isso não é caminho, é descaminho.
• Huck disse ter simpatia a Marina Silva. Ela é representante dessa agenda?
A oferta de candidatos em quantidade é expressiva, precisamos ver a qualidade.
• Como sr. vê a estratégia do PT em registrar a candidatura do ex-presidente Lula?
Não contesto ninguém que, dentro do caminho da legalidade, usa os seus instrumentos para fazer o debate das suas ideias. A gente precisa sair da corda esticada que foi montada nesse país de petistas e antipetistas.
• O sr. chegou a ser procurado para disputar o governo do Rio de Janeiro?
Fui sondado por lideranças do Rio. O Rio, em termos de desorganização fiscal, se assemelha ao que foi a Grécia. Mas esse desafio deve ser superado por lideranças do estado.
• Como resolver o problema fiscal no Espírito Santo?
Não foi mole. Em 2015 e 2016, tivemos que conviver com a incompreensão. Ou você faz o fácil, que é a demagogia e o populismo, e quebra. Ou o certo, e convive com dificuldades, mas colhe resultados. É o exercício da liderança. É diálogo permanente, mas não ser “maria vai com as outras”. Tem hora que a população não quer ouvir. Não pode desistir.
Aí o Rio quebrou do nosso lado, e começou a não pagar servidor. Minas também. O capixaba começou a olhar para o lado e ver a diferença.
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