Para ele, eleição traz risco de ‘messianismo salvacionista’ e autoritarismo
Lydia Medeiros | O Globo
RIO - O Brasil está sob riscos. O alerta é de Pedro Sampaio Malan, ministro da Fazenda nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A 44 dias da eleição presidencial, ele acredita que o país vive um “momento de inflexão” e que suas escolhas terão forte repercussão nos próximos anos.
Um dos responsáveis pela condução do Plano Real, que consolidou a nova moeda e derrubou uma inflação de 5.000% ao ano em 1994 (em 2017, o índice foi de 2,95%), Malan acha que o país deve revisitar o passado para evitar esses riscos: o de uma parcela significativa do eleitorado optar pelo “messianismo salvacionista”; a crença no voluntarismo, “em que 2+2 podem ser 5 se houver vontade política para tal”; e a ideia de que os problemas do Brasil podem ser tratados com um exercício de autoridade.
- Cada uma das três é preocupante, e as temos como ameaças pairando sobre o país e seu futuro - afirma.
A relação com o tempo é uma das inquietações de Malan e pontua as 512 páginas de “Uma certa ideia de Brasil”, coletânea de artigos publicados entre 2003 e maio deste ano no jornal O Estado de S.Paulo.
No livro, um trecho de “O círculo dos mentirosos”, do cineasta francês Jean-Claude Carrière, ilustra essas preocupações. “O que é um homem normal?”, quis saber o cineasta do neurologista britânico Oliver Sacks. “Será talvez aquele capaz de contar a própria história. Sabe de onde vem, onde está (a sua identidade) e crê saber para onde vai (tem projetos e a morte no fim)”, respondeu o médico. “E pode-se dizer o mesmo de uma sociedade?” Sacks concorda com a analogia: uma sociedade “normal” precisa ter capacidade de identificar-se, situar-se no tempo histórico.
- A história de um país é um diálogo infindável entre seu passado e seu futuro - diz Malan, de 75 anos. - É preciso que exista uma certa memória do processo através do qual chegamos à situação atual.
O ex-ministro, atualmente presidente do Conselho Internacional do Grupo Itaú Unibanco, compara 2018 a outros pontos de inflexão: a eleição de Lula e a mudança da política econômica, em 2006, com a aceleração do processo de crescimento. Depois da crise de 2008, o país redobrou a aposta em 2010.
- Foi uma decisão: o Estado teria um papel-chave a cumprir na promoção do desenvolvimento econômico e social. Parecia que tudo era possível porque desejado - diz. - O problema é que o Estado não produz recursos.
Tal como em 2002, quando havia desconfiança acerca do que seria um governo Lula, lembra Malan, o desafio agora é reduzir o grau de incerteza:
- Sabíamos que o câmbio, que foi a R$ 4, poderia descer, dependendo das escolhas e das decisões tomadas. Como, de fato, desceu. O Brasil deu uma sinalização correta sobre o futuro.
‘Nunca houve autocrítica’
Malan ainda tem expectativa de que seja possível recuperar o clima de diálogo que marcou a transição 2002-2003, entre os governos tucano e petista.
- Fomos vistos e percebidos como capazes de uma transição com um partido de oposição sem que houvesse dramáticas mudanças, rupturas, experimentos heterodoxos, dando a ideia de um país mais previsível, maduro - diz.
O clima, porém, foi mudando gradualmente, recorda-se, com a decisão de usar governo, estatais, bancos públicos e fundos de pensão para um crescimento mais veloz.
Com esse olhar em retrospectiva, Malan considera importante haver maior compreensão da população sobre a real situação das contas públicas, inclusive dos estados.
- Falta também um grau de entendimento e de comprometimento com as medidas de curto, médio e longo prazos que precisam ser tomadas por parte de lideranças políticas, do Congresso - afirma, listando a reforma da Previdência como prioridade.
Para o ex-ministro, é preciso entender que esses não são objetivos em si mesmos, mas condições para que o país possa realizar aquilo que é desejo de todos.
- Ninguém é contra o desenvolvimento, embora muita gente faça questão de tentar transformar isso numa polaridade, “nós e eles” - diz, ressaltando que as escolhas não são binárias, maniqueístas. -Temos biltres e mequetrefes em todas as profissões, em todos os partidos, mas também temos gente boa. O Brasil é complexo demais para essa polarização.
Malan não esconde a angústia de ver assessores de candidatos ao Planalto dizerem que o desenvolvimento será retomado por meio do setor público, do investimento em infraestrutura, da expansão do crédito.
- Isso acabou de ser tentado e não deu certo. Mas não querem discutir. Nunca houve autocrítica. Para certo público, a culpa é toda do governo Temer - critica.
Há 15 anos longe de Brasília, Malan prefere não usar palavras como pessimismo ou otimismo. Define-se como um “realista esperançoso”. E recorre ao escritor argentino Jorge Luis Borges:
- Em “O tamanho da minha esperança”, ele diz que o futuro, antes de se converter em presente e, portanto, passado, realiza ensaios: os sonhos, desejos, expectativas e temores de sucessivas gerações. Quer se realizem, quer não, são “memórias do futuro”.
“Uma certa ideia de Brasil” (Intrínseca) será lançado no próximo dia 28 em São Paulo (Livraria da Vila) e no dia 30 no Rio (Livraria da Travessa do Shopping Leblon).
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