- O Estado de S.Paulo
Reforma previdenciária, nos moldes propostos, não terá o poder de reduzir os gastos
A polarização política e ideológica em torno das eleições que se aproximam está relegando para um segundo plano doe debate a maior parte dos problemas econômicos que terão de ser enfrentados a partir de 1.º de janeiro.
O fato de que o programa dos candidatos e suas propostas de reforma não estejam sendo discutidos com profundidade na campanha aumenta os riscos de um novo “estelionato eleitoral”, ou seja, uma situação em que o eleito promoverá medidas amargas que não tenham sido previamente anunciadas.
Na questão tributária, por exemplo, vários candidatos estão falando em redução de impostos para atrair o voto, mas o espaço fiscal é praticamente nulo. A maior parte do eleitorado, induzido pelo oportunismo político de muitos, acredita que seja possível ajustar as contas do governo apenas combatendo a corrupção e cortando gastos, já que a máquina pública seria um grande elefante branco.
Pelo peso dos gastos e pelas tendências demográficas, a reforma previdenciária será um ponto imperioso. Por isso, preocupa que o tema não tenha sido debatido na campanha.
O que pouca gente se deu conta é que a reforma previdenciária, nos moldes propostos até agora, não terá o poder mágico de reduzir os gastos, mas, no máximo, estabilizá-los como proporção do PIB. Logo, a redução dos déficits ou retomada dos superávits não pode depender apenas dela.
Ou seja, a reforma vai impedir que a situação piore, mas não proporcionará melhoras. Ao fim e ao cabo, não haverá outra alternativa de ajuste que não seja pelo lado da receita. O desafio é escolher o jeito certo de regular a carga tributária para não deprimir a atividade e não prejudicar assim a própria arrecadação.
Um dos caminhos de reforma tributária com essas características que tem sido apoiado por alguns candidatos é a retomada da tributação de dividendos em paralelo à redução do IRPJ/CSLL das empresas. Hoje, no Brasil, diferente do resto do mundo, os lucros apenas são tributados nas empresas, ficando isentos na distribuição dos dividendos às pessoas físicas.
A tendência internacional, de acordo com o economista Sergio Gobetti, vai no sentido de que a tributação dos lucros seja reduzida ao nível das empresas e elevada ao nível das pessoas físicas. “As evidências indicam que essa mudança contribui para o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, pode reduzir um pouco a desigualdade social, se o IR das pessoas físicas for progressivo.”
No caso brasileiro, é preciso tomar cuidado com a mudança devido ao fato de as alíquotas efetivas de IRPJ/CSLL serem bem diferentes das alíquotas nominais previstas em legislação. Enquanto essas últimas somam 34% para a maioria das grandes empresas, a carga efetiva giraria em torno de 24%, segundo os balanços publicados. E isso se explica por uma série de benefícios fiscais, entre os quais o chamado Juros sobre Capital Próprio (JCP).
Então, é preciso ter clareza se a redução das alíquotas será ou não acompanhada pela eliminação desses benefícios. O ideal é que a alíquota efetiva seja igual ou próxima da nominal, porque isso garante mais transparência e segurança de que a mudança não produzirá perdas de arrecadação.
A redução da alíquota efetiva de 24% para 20% (valor que tem sido comentado na campanha) produziria uma perda de arrecadação de R$ 34 bilhões, o que seria facilmente compensável pela volta da tributação de dividendos, com algum ganho para os cofres públicos. Se a alíquota efetiva ficar abaixo disso, a perda de receita pode ser muito grande e acabar não sendo compensada.
O modelo ideal, segundo Gobetti, é aquele que trata as distintas formas de renda de forma isonômica e não induz estratégias muito agressivas de planejamento tributário. Por isso, a melhor e mais simples forma de tributar os dividendos seria na tabela progressiva do IRPF, concedendo como crédito o valor já pago ao nível da empresa, a exemplo do modelo adotado pelo Chile.
Nesse caso, um pequeno investidor com renda mais baixa poderia permanecer isento de tributação dos seus dividendos e até receber restituição do imposto recolhido ao nível da empresa, mas os grandes acionistas provavelmente pagariam mais imposto do que hoje, dependendo da alíquota máxima do IRPF, que atualmente é de 27,5%.
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