- Folha de S. Paulo
É importante que tiranos que torturam e assassinam respondam por seus crimes
Não há futuro para o regime bolivariano na Venezuela. Mesmo que Nicolás Maduro consiga a façanha de agarrar-se ao poder, as condições econômicas do país vão continuar a deteriorar-se, como se vê pelos apagões e pela falta de gasolina. Mais cedo ou mais tarde, virá a derrocada final do chavismo. Os militares venezuelanos sabem disso. Por que, então, ainda não desertaram para a banda do líder oposicionista Juan Guaidó?
Cynthia Arnson, diretora do programa de América Latina do Wilson Center, ouvida numa reportagem de Sylvia Colombo, levantou uma hipótese interessante. Além de a cúpula militar faturar bastante apoiando Maduro, tanto em negócios lícitos como ilícitos, a anistia oferecida pela oposição não é das mais críveis.
Já se foram os tempos em que tiranos depostos e seus principais colaboradores podiam gozar de aposentadorias tranquilas, como foi o caso do paraguaio Alfredo Stroessner e do haitiano Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc.
Nas últimas décadas, uma série de avanços na legislação de direitos humanos, com destaque para o Estatuto de Roma (1998), que criou o Tribunal Penal Internacional, tornou inviáveis as anistias amplas, gerais e irrestritas que um dia fizeram parte do kit de transição de regime.
No novo arcabouço legal, ficou muito difícil deixar de processar suspeitos de crimes contra a humanidade, genocídio e outros que fazem parte do rol de delitos habituais de ditadores. Mesmo que um país decida conceder um perdão assim, o anistiado não teria segurança de que não seria preso ao pôr os pés numa outra nação. Foi o que ocorreu com Pinochet, para citar um caso ilustre.
Eu não diria que a presente situação é ruim. É importante que tiranos que torturam e assassinam respondam por seus crimes. Mas, ao consolidar esse princípio, abrimos mão de um instrumento que já foi útil para promover trocas de regime sem derramamento de sangue. Não há almoço grátis.
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