- Folha de S. Paulo
É chocante constatar que Trump e Bolsonaro foram eleitos graças a declarações escandalosas
No impressionante depoimento que deu ao Congresso dos EUA, o ex-advogado de Trump Michael Cohen classificou o antigo chefe como “canalha”, “racista” e “fraude”. Cohen não é um ex-auxiliar qualquer. Por dez anos, ele atuou como “fixer” (quebra-galhos) de Trump, tendo sido responsável, entre outras coisas, por subornar garotas que tiveram casos com o magnata para que ficassem de boca calada durante a campanha.
Cohen não trouxe acusações novas ao já volumoso rol de complicações de Trump, mas pintou um quadro vívido do empresário inescrupuloso e mentiroso patológico que acabou se tornando presidente dos EUA.
No Brasil, temos Jair Bolsonaro, que defende déspotas, elogia torturadores e ataca homossexuais.
Mais chocante do que constatar que pessoas desse calibre tenham sido escolhidas para comandar seus respectivos países talvez seja perceber que Trump e Bolsonaro não foram eleitos apesar de suas declarações escandalosas, mas, em alguma medida, graças a elas.
Ao que tudo indica, o eleitor, farto da retórica dos políticos tradicionais, tomou o teor ofensivo da fala desses personagens como um signo de autenticidade, em nome da qual aceita o rebaixamento de padrões de urbanidade. Se estou convencido de que meu candidato diz “verdades”, não preciso me preocupar em aferir seu conteúdo.
É um movimento inverso ao da autodomesticação, pela qual o ser humano aprendeu a conter seus impulsos selvagens. Nela, a adesão às normas sociais dava-se inicialmente de forma hipócrita, só para evitar retaliações do grupo. Mas, com o tempo, seguir as regras tornou-se uma segunda natureza, e acabamos incorporando seus conteúdos —o que nos deixou mais civilizados.
Quando se trata de eleger líderes populistas falastrões, um pouco mais de hipocrisia, compreendida como a aceitação, ainda que fingida, das normas de convívio respeitoso, nos faria bem.
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