sexta-feira, 1 de março de 2019

Pressionado, Moro afasta Ilona Szabó de Conselho

Moro cede a pressão e exclui Ilona Szabó do Conselho Nacional de Política Criminal

Cientista política havia sido indicada nesta quarta-feira, mas virou alvo de bolsonaristas nas redes sociais

Jailton Carvalho / O Globo
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BRASÍLIA — Depois de receber um telefonema do presidente JairBolsonaro na tarde desta quinta-feira, o ministro da Justiça, Sergio Moro , retirou a indicação da cientista política do Instituto IgarapéIlona Szabó , que havia sido nomeada por ele anteontem para ocupar uma cadeira de suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).

Uma das principais especialistas em segurança do país, Ilona faria parte do colegiado responsável por debater políticas públicas para o setor. Defensora do Estatuto do Desarmamento, ela seria uma voz de contraponto, no conselho, ao pensamento majoritário de apoiadores do presidente em relação a temas como a flexibilização do acesso a armas de fogo pela população.

Desde que foi anunciada, na quarta, a indicação de Ilona passou a ser criticada por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais . A hashtag #IlonaNão se tornou um dos temas mais discutidos no Twitter. As mensagens, em geral, continham tons de decepção com o ministro da Justiça e pedidos de revisão da nomeação. Com o aumento das críticas, o presidente Bolsonaro telefonou para Moro ontem, consumando o entendimento de que a escolha de Ilona deveria ser revista.

Em nota, Moro pediu desculpas à especialista pela decisão. “Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação”.

Na nota, o ministro não informou de onde partiram as pressões. Mas a própria Ilona, em entrevista ao GLOBO ontem, confirmou que o presidente Bolsonaro teria tratado do assunto com o ministro.

— Teve uma conversa entre o ministro e o presidente, e ele (Moro) sentiu que não dava para manter a minha nomeação. Como foi essa conversa e o teor dela eu não sei. Para mim, o que eu lamento, é que a gente não deve ver pessoas que pensam diferente como inimigas — disse Ilona.

Pluralidade
Antes da crise pela nomeação se instalar nas redes sociais e chegar ao gabinete de Bolsonaro, Moro havia anunciado, por meio da assessoria do ministério, que a cientista política integraria o colegiado composto por 26 pessoas. O órgão consultivo foi formado a partir do entendimento do ministro de que o conselho precisaria “ser plural” e, portanto, “composto por pessoas de diferentes tendências de pensamento”.

Vinculado ao Ministério da Justiça, o Conselho Nacional de Política Criminal é formado por representantes de diversos órgãos públicos e de entidades da sociedade civil e tem o papel de discutir e sugerir políticas criminais. Cabe ao conselho, por exemplo, elaborar regras para os indultos de Natal a presos, instrumento criticado por Bolsonaro e seus apoiadores.

Na quinta-feria, depois de anunciar o recuo na escolha de Ilona, Moro voltou a ser elogiado por simpatizantes de Bolsonaro nas redes sociais. Em poucos minutos, a hasthag #Obrigadomoro entrou na lista dos assuntos mais comentados do dia no Twitter. A líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselman (PSL-SP), comemorou o recuo:

— Acho que a exoneração foi uma correção de rota feita de forma acertada pelo ministro Sergio Moro. Não precisamos de desgastes desnecessários. Democracia é atender a vontade da maioria, respeitando as minorias. A maioria reagiu mal à indicação dela. Ponto.

Críticas na academia
Na comunidade acadêmica, no entanto, a decisão de Moro foi lamentada. Ex-secretário de Segurança do Distrito Federal e professor de sociologia da UnB, Arthur Trindade classificou a exoneração como “lamentável”. Para ele, o episódio é revelador de como o governo se guia pelo humor das redes sociais:

— Esse caso mostra que o governo age como refém, se dobra em função de grupos que atuam nas redes sociais. Grupos que nem é possível aferir direito quem são, já que há robôs usados para turbinar as postagens.

Para Trindade, outro aspecto preocupante da decisão de Moro é a dificuldade do governo em debater com aqueles que pensam diferente, mesmo em órgãos consultivos, como é o caso do conselho.

Pesquisador de Segurança Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV), Rafael Alcadipani considerou a atitude de Moro “ideológica”:

— Os grandes homens não estão preocupados com a repercussão negativa do que fazem. Eles simplesmente fazem o que é certo.

Para Alcadipani, a medida também se mostrou antidemocrática:

— É muito estranho. Se todas as pessoas pensam igual num conselho, não tem por que ter conselho. Esse governo é pródigo em criar crises do nada — disse o pesquisador.
(Colaborou Gustavo Schmitt)

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