- O Estado de S.Paulo
Se o governo não ajudar, fica difícil aprovar qualquer proposta
Da quinta-feira para cá, quando se anunciou a decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de, junto com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e com o ministro da Economia, Paulo Guedes, tocar a reforma da Previdência sem esperar pelo presidente Jair Bolsonaro, ficou a impressão de que todos os problemas do País seriam resolvidos. A bolsa voltou a subir, o dólar a cair, um relator para o projeto da Previdência foi escolhido para dizer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara que a proposta é constitucional. Muita gente sorriu e o mundo pareceu mais feliz.
As coisas, no entanto, não são fáceis assim.
O afastamento do presidente da República das negociações da reforma da Previdência pode até ser o sonho de muitos. Principalmente porque as críticas ao comportamento de deputados, senadores e dirigentes partidários poderiam diminuir, visto que Bolsonaro parece ter compulsão por escrever nas redes sociais que eles fazem parte da velha política. Isso irrita que só, embora não haja bem uma definição para o termo. Como também não há para a nova política pregada por Bolsonaro durante a campanha. Tudo não passa de marketing. Quer negociar com o governo? É da velha política, embora negociar não carregue qualquer tipo de desvio e seja próprio da política. O crime é o roubo, a corrupção, o desvio de dinheiro, o caixa 2, e por aí vai. Se o presidente souber de alguma coisa de errado com algum auxiliar, deve demitir o suspeito imediatamente, apoiar a abertura de investigação, esperar o processo e o julgamento e aplaudir as penas.
Pois bem. O afastamento de Bolsonaro das negociações da reforma pode até ser um sonho. Mas, dificilmente, ocorrerá. Em primeiro lugar, porque a reforma da Previdência faz parte do programa de governo e é vista como o principal projeto da atual administração, aquele que devolverá a confiança dos investidores no País, reduzirá desigualdades e dará os primeiros passos para o equilíbrio das contas públicas. A partir daí, gostam de dizer alguns, como o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que o País entrará num circuito virtuoso de crescimento econômico e geração de empregos.
Qual presidente da República vai abrir mão de um programa como este para delegar tudo a seu ministro da Fazenda e aos dois dirigentes das Casas do Congresso? Difícil acreditar que vai. Se o fizer, entregará a chefia do governo a Maia, Alcolumbre e Guedes. Se transformará numa espécie de rainha da Inglaterra e passará a cuidar de viagens e cerimônias. E ainda ficará com a fama de que o governo só entrou nos eixos quando se afastou das decisões mais importantes.
É possível até que na campanha Bolsonaro tenha pensado assim. Questões da economia, como ele mesmo dizia, por entender pouco do assunto, estavam todas elas com Paulo Guedes. A ele, cabia a parte mais divertida, que era criticar os governos do PT, chamá-los de corruptos, abraçar a pauta conservadora nos costumes, defender a flexibilização da posse de armas e dizer que não faria a velha política caso fosse eleito. Tudo o que seu eleitor queria ouvir. Deu certo.
Acontece que um governo é muito mais do que isso. Não é possível apenas pegar um projeto, entregá-lo ao Congresso e dizer: o filho aqui está, agora são vocês, deputados e senadores, que dele devem cuidar. Eu vou tocar minha vida. Se o governo não der uma ajuda, se não oferecer instrumentos para a conquista dos votos, ficará muito difícil aprovar qualquer projeto. Cada um dos 594 congressistas sabe que o dono da caneta é o presidente da República, não o trio Alcolumbre, Guedes e Maia. É nesta caneta que eles estão de olho.
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