- O Globo
Para Lara Resende, juros mais altos que o crescimento do PIB são os verdadeiros causadores da
estagnação
A disputa entre o Congresso e o Governo pelo controle do Orçamento tornou mais atual um debate acadêmico provocado pelo economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real e visiting scholar de Columbia. A idéia básica de seus últimos textos, o mais recente deles intitulado “Consenso e Contrassenso: déficit, dívida previdência”, é que juros mais altos que o crescimento do PIB são os verdadeiros causadores da estagnação da economia brasileira, e não a expansão da moeda.
Lara Resende considera que um país que emite sua própria moeda não tem restrições financeiras. Essa tese, num momento em que se busca o controle de gastos, com a reforma da Previdência e outras medidas, para o equilíbrio fiscal do país, condição tida como necessária para o crescimento e atrair investimentos, é considerada por muitos, no mínimo, inconveniente. André rebate as críticas com uma declaração de fé: "Eu não sou político, sou um intelectual que pensa pela própria cabeça".
Nesta semana, em debate na Casa do Saber promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Lara Resende e outros dois colegas seus também pais do Real, o ex-presidente do BNDES Edmar Bacha e o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, debateram a tese, discordaram na teoria e na prática, Bacha com mais ênfase, Malan com mais diplomacia.
Lara Resende defende que a carga tributária de 36% asfixia a economia, e que os gastos dos Estados e Municípios não podem ser punidos simplesmente: “Isso destrói o país, destrói a infraestrutura, destrói a segurança, destrói a educação, e o moral da população”. Para ele, aumentar a demanda não cria inflação, num país em que a capacidade ociosa é de 40% e a taxa de desemprego de 12,5%.
Lara Resende enfatizou em seu artigo que “a preocupação dos formuladores de políticas não deve estar no financiamento das despesas públicas, mas sim na qualidade destas despesas”. A questão não seria apenas “quanto o governo gasta e tributa, mas, sobretudo, como gasta e tributa”. Mas destacou o que chama de "restrição da realidade":
“O governo pode gastar mal, inflando os gastos com pessoal, criando uma burocracia incompetente e corporativista, subsidiando empresas improdutivas, mas, ao menos em tese, pode também gastar bem, investindo de forma competente, na educação, na saúde, na segurança e na infraestrutura”.
Por isso, diz ele, é importante que se faça análise cuidadosa do orçamento do governo, e submeter à sociedade as opções, tanto dos impostos a serem cobrados, como dos gastos a serem feitos. Música para os ouvidos de deputados "expansionistas" e problema para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Já Edmar Bacha, que preside a Casa das Garças no Rio, um dos mais importantes think tank do país, chamou a atenção para o fato de que a taxa tendencial de crescimento do PIB dos países desenvolvidos está em torno de 2% ao ano, enquanto a taxa real de juros sobre a dívida pública desses países se situa em 0,5%. Nesse caso, se não houver déficit primário, o déficit do governo, e portanto, o aumento da dívida pública para financiar esse déficit, se deverá somente aos juros pagos sobre a própria dívida.
Como a taxa de juros é menor que o crescimento do PIB, ao longo do tempo a relação entre a dívida e o PIB será decrescente. Os países desenvolvidos podem, portanto, ressaltou Bacha, até certo ponto gastar mais do que arrecadam, sem que isso implique aumento da relação entre a dívida pública e o PIB.
Mas lamentou: “Esse não é, infelizmente, o caso do Brasil. A taxa de crescimento do PIB nos últimos dois anos foi de apenas 1% e as projeções para os próximos anos não superam 2,5%. Enquanto isso, a taxa real de juros sobre a dívida interna do Tesouro Nacional se situou em 5,4% no ano passado”.
Bacha reafirmou que, por isso, “é importante alcançar um superávit primário nas contas do governo, para evitar que a relação entre dívida e PIB, que já é alta para padrões de países emergentes, continue a crescer indefinidamente”.
O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan chamou a atenção para a necessidade de avaliação da eficácia dos gastos públicos, que considera distorcidos em sua composição, contra o investimento, a favor do consumo. Malan disse que as teses de Lara Resende, embora importantes de serem debatidas, não se coadunam com a situação de países sem estabilidade institucional e com problemas estruturais de finanças públicas, como o nosso.
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