Causada pela disputa política entre os integrantes de sua cúpula, a crise interna do Ministério da Educação (MEC) está ameaçando a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, que tem mais de 5 milhões de estudantes inscritos e está marcado para novembro.
Desde que foi criada, em 1998, a prova, que tem 180 questões, é uma das mais bem-sucedidas experiências em matéria de avaliação de desempenho escolar do País, sendo utilizada também como processo seletivo das universidades federais. Preocupados com essa ameaça e com a crise do MEC, os secretários estaduais de Educação divulgaram documento no final da semana passada cobrando das autoridades educacionais do governo federal mais foco, coerência e eficiência administrativa. Um dos riscos para a realização do Enem na data prevista está na sucessão de nomeações nos cargos mais importantes do MEC e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que é o órgão encarregado de fazer o exame. Desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro, tanto o Ministério como o órgão já sofreram quase 20 exonerações em seus altos escalões.
Um dos exonerados foi justamente o presidente do Inep, Marcus Vinicius Rodrigues, após desentendimentos com o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, sobre a suspensão da avaliação nacional da alfabetização das crianças, que é uma peça fundamental do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), criado em 1990.
Correm riscos também as diretrizes para a formulação das questões. Embora a definição dos critérios envolva análises pedagógicas, análises técnicas, interpretação de dados estatísticos e avaliações das edições anteriores do Enem, vários dirigentes do MEC e do Inep estão mais preocupados com orientações ideológicas, sob o pretexto de evitar perguntas de teor considerado ofensivo a grupos sociais, símbolos, tradições e costumes.
Nos dois órgãos, há até quem tenha proposto como critério para as questões uma abordagem de ensino e aprendizagem que parte do “raciocínio sobre verdades bíblicas”, com o objetivo de “formar uma erudição baseada numa cosmovisão cristã e líderes servidores aptos a cumprir o propósito de Deus com suas vocações”.
Independentemente das divergências políticas entre os dirigentes do MEC e do Inep, o fato é que a criação dessa comissão deixou evidente a preocupação do governo em interferir política e religiosamente na formulação das perguntas do próximo Enem.
Quando a portaria com os nomes escolhidos para integrar essa comissão foi divulgada, dirigentes do MEC alegaram que ela não faria censura ideológica, mas somente uma “leitura transversal das questões”. Contudo, como levar essa justificativa a sério se um dos integrantes dessa comissão, escolhido como representante da “sociedade civil”, por critérios não suficientemente explicitados, é defensor da tese de que há “uma contaminação ideológica nas universidades, que vêm formando juristas e políticos com mentalidade esquerdizante”? Além disso, ao explicar que o trabalho da comissão é só “uma etapa técnica de revisão de itens”, os dirigentes do MEC afirmaram que, quando seus membros vetarem uma questão, a Diretoria de Avaliação do Inep poderá contra-argumentar, ficando a decisão final a cargo do novo presidente do órgão, que até ontem não havia sido escolhido.
Além de colocar em risco a realização do Enem, esse ambiente tumultuado e confuso numa das áreas estratégicas da máquina governamental está atrasando a publicação de editais e a formulação de políticas públicas destinadas a incrementar a qualidade da educação, fator decisivo para o desenvolvimento do País.
Na área da educação, o maior desafio é tornar eficiente um sistema de ensino anacrônico e mal orientado. Para formar o capital humano de que o País necessita e assegurar a emancipação socioeconômica das novas gerações, o sistema de ensino necessita de uma visão de futuro, de regras claras e de competência administrativa. Com iniciativas erráticas e desastradas, o MEC mostra que está longe de vencer esse desafio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário