sexta-feira, 31 de maio de 2019

Opinião do dia: Jürgen Habermas*

Os direitos humanos formam uma utopia realista na medida em que não mais projetam a imagem decalcada da utopia social de uma felicidade coletiva; antes, eles ancoram o próprio objetivo ideal de uma sociedade justa nas instituições de um Estado constitucional. Naturalmente, essa ideia transcendente de justiça introduz uma tensão problemática no interior de uma sociedade política e social. Independentemente da força meramente simbólica dos direitos fundamentais em muitas das democracias de fachada da América do Sul e de outros lugares, na política dos direitos humanos das Nações Unidas revela-se a contradição entre a ampliação da retórica dos direitos humanos , de um lado, e seu mau uso como meio de legitimação para as políticas de poder usuais, de outro.

*Jürgen Habermas (Düsseldorf, 1929) é um filósofo e sociólogo alemão, ‘Sobre a constituição da Europa’, pp. 31-2, Editora Unesp, 2012.

Merval Pereira: Água na fervura

- O Globo

Bolsonaro foi cândido num encontro recente com políticos ao prometer mudar de comportamento

As manifestações de ontem, convocadas por lideranças estudantis e de partidos de esquerda para protestar mais uma vez contra os cortes de verba na educação, foram menores que as anteriores, assim como seriam menores as de apoio ao presidente Bolsonaro, se convocadas em tão curto espaço de tempo.

Não tem sentido essa disputa permanente pelo espaço público entre oposição e bolsonaristas, enquanto o país sofre com o aumento do desemprego, a queda da economia e a absoluta falta de confiança dos investidores na segurança jurídica das decisões que forem eventualmente tomadas.

Nenhum dos dois lados em disputa é hegemônico no momento, e será preciso um grande acordo nacional para sairmos do buraco em que governos petistas nos colocaram. O presidente Bolsonaro parece ter entendido a situação calamitosa, diante da realidade do dinheiro público encurtando a cada momento.

Mesmo tendo sido vitorioso o suficiente no domingo, ele chamou os presidentes dos dois outros poderes para um encontro em que combinou um pacto de líderes em torno de objetivos comuns, como a reforma da Previdência, a melhoria da educação, a atuação mais eficiente da Justiça.

Fora o fato de que o Judiciário não tem o que fazer na parte do pacto em que o apoio às reformas é o objetivo, a união de todos é bem-vinda, e seria bom que se comportassem como adultos nessa disputa de poder em que se envolveram Legislativo e Executivo.

Bernardo Mello Franco: Simpatia é quase amor

- O Globo

Bolsonaro já disse ter “casamento hétero” com Paulo Guedes. Depois declarou estar “namorando” Rodrigo Maia. Falta escolher um termo para descrever seu flerte com Dias Toffoli

Jair Bolsonaro costuma usar metáforas amorosas para falar de suas relações políticas. O presidente já disse ter um “casamento hétero” com Paulo Guedes. Depois declarou estar “namorando” Rodrigo Maia. Falta saber que termo ele escolherá para descrever o flerte com Dias Toffoli.

Os chefes do Executivo e do Judiciário estão ensaiando a dança do acasalamento. Na terça-feira, Toffoli tomou café da manhã no Palácio da Alvorada. Saiu anunciando um pacto para “destravar o Brasil” e “retomar o crescimento”, entre outras platitudes.

Ontem o presidente do Supremo esteve no Planalto com uma caravana de deputadas e senadoras. Passou o encontro sorrindo e cochichando com o anfitrião. Parecia um ministro do governo, não o chefe de outro Poder.

Bolsonaro foi só elogios. Chegou a dizer que Toffoli é “uma pessoa excepcional”. “É muito bom nós termos aqui a Justiça ao nosso lado”, derramou-se. Pouco depois, ele juntou as mãos em gesto de coração. Para as câmeras, não para o convidado ilustre.

Míriam Leitão: PIB em queda agrava o fiscal

- O Globo

Crescimento menor do PIB tem tirado R$ 2 bi por mês das contas do governo. Secretário pede reforma da Previdência e foco na educação

As agruras fiscais do país são a causa da crise econômica, mas ela também alimenta o rombo. Para Mansueto Almeida, o país precisa de reformas urgentes e de uma revolução na educação. O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, disse que a queda do PIB significa menos arrecadação e mais corte de gastos. Segundo ele, a frustração com o ritmo da economia já significa que a cada mês R$ 2 bilhões deixam de entrar nos cofres públicos. As agruras fiscais do país são a causa da crise econômica, mas ela também realimenta o rombo. Para sair desse círculo vicioso é preciso enfrentar irracionalidades. Ele deu dois exemplos. Um deles: o estado de Minas é dono até de vacas. O outro: dois terços dos funcionários públicos estaduais se aposentam em média com 49 anos.

— Quero deixar bem claro: não haverá ajuste fiscal no Brasil enquanto as pessoas puderem se aposentar com 49 anos de idade. Não haverá —disse Mansueto numa entrevista que me concedeu.

O valor necessário do crédito suplementar para cobrir as despesas e cumprir a regra de ouro não pode ser menor do que R$ 146 bilhões. Esta semana, o ministro Paulo Guedes disse que esse assunto havia “embananado”. O relator do projeto quer autorizar um valor menor e em parcelas. Ele disse que isso comprometeria despesas como o Plano Safra:

— É importante as pessoas entenderem a “regra de ouro”. Ela é boa. O governo só pode aumentar sua dívida se for para pagar dívida ou fazer investimento. Porque com investimento cresce a capacidade de produção da economia, que aumenta a arrecadação. E aí se paga aquela dívida que foi elevada. Só que a situação fiscal do Brasil é tão séria que, apesar da carga tributária elevada, está com as contas no vermelho e déficit primário desde 2014. E teremos déficit em 2020 e 2021 e talvez em 2022.

Tantos anos sucessivos no vermelho nos levou a uma situação paradoxal. Qual é? O governo hoje tem que se endividar, aumentar sua dívida, pedir emprestado à sociedade, para basicamente pagar salários e benefícios previdenciários, despesa corrente. Por isso esse pedido ao Congresso, uma autorização especial, para nos deixar aumentar a dívida para pagar despesa corrente, para não ser punido por quebrar a regra de ouro.

Rogério Furquim Werneck: Atemorização em excesso

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Não tendo conseguido narrativa crível de aprovação da reforma, o governo tentou compensar com atemorização

Incutir no país o senso de urgência requerido para que a reforma da Previdência seja aprovada tem sido o grande desafio da equipe econômica do governo. E é natural que a campanha de persuasão tenha exigido certo grau de atemorização da opinião pública e do Congresso com as perspectivas desoladoras com que se defrontará o país, caso uma reforma abrangente, com potência fiscal adequada, se mostre, afinal, inviável.

Ao dar força redobrada à campanha conduzida pela equipe econômica do governo anterior, Paulo Guedes vem obrigando o país a fazer uma reflexão incômoda, procrastinada há décadas, sobre a insustentabilidade do quadro fiscal. E é inegável que boa parte da quebra de resistência à reforma adveio da disseminação de uma compreensão mais clara do que poderá ocorrer, caso os gastos previdenciários não possam ser contidos.

A esta altura do jogo, contudo, seria um erro supor que o segredo da viabilização de uma reforma da Previdência com potência fiscal adequada seja nova escalada de atemorização do país com cenários de fiasco da reforma. De um lado, há boas razões para crer que a tática de amedrontamento já tenha passado do ponto. Que seus efeitos colaterais já a tornaram disfuncional. De outro, parece claro que o verdadeiro entrave remanescente à aprovação da reforma não será removido pela aterrorização da opinião pública com os possíveis desdobramentos da não aprovação.

Na sexta-feira passada, o país foi alvoroçado pela divulgação de uma entrevista de Paulo Guedes à revista “Veja”. Tendo alertado que “se não fizermos a reforma, o Brasil pega fogo”, o ministro ameaçou: “Se só eu quero a reforma, vou embora para a casa... pego o avião e vou morar lá fora”. As reações de Bolsonaro não tardaram. De início, em tom defensivo: “Paulo Guedes está no direito dele. Ninguém é obrigado a ficar como ministro meu.” E, em seguida, fazendo coro com Guedes: “Se for uma reforminha ou não tiver reforma, não precisa mais de ministro da Economia, porque o Brasil pode entrar em um caos econômico. Ele vai ter que ir para a praia, vai fazer o que em Brasília?” (O GLOBO, 25/5)

Fernando Gabeira: Ruas, corredores e gabinetes

- O Estado de S.Paulo

A sociedade está dando régua e compasso. Mas quem pode utilizar esse impulso são os políticos

Vivemos um momento de manifestações, de um lado e de outro, até com a velha disputa: a minha é maior que a sua. Não sou teórico no assunto, mas o fato de ter vivido muitas manifestações ao longo de 60 anos me autoriza a especular sobre elas de modo geral.

Para começar, sei que observadores de fora sempre são vistos com desconfiança. Há uma constante tensão entre manifestações e os modos de calcular seu alcance: técnicas aritméticas de contá-las, diferenças entre o que viram os manifestantes e a PM, os cálculos nunca coincidem. Enfim uma constante sensação de que os movimentos não foram devidamente reconhecidos.

Falando sobre o falso dilema entre governar com conchavos e obter o que o governo quer apenas com pressão popular, ouvi de uma leitora que estava equivocado. Ela parou de ler o texto supondo que condenaria as manifestações pró-governo. Pena, porque alguns parágrafos adiante descrevia as condições em que essas manifestações são perfeitamente possíveis: quando há convergência de propósitos entre manifestantes e governos, um momento em que é preciso mostrar a demanda social por um tema em debate.

Manifestar-se, para mim, é uma forma de autoexpressão válida em si. Jamais analiso as manifestações apenas por seu tamanho. Existem outros critérios decisivos. Até que ponto elas transcendem a pura autoexpressão e contribuem para a solução real do problema?

Neste último caso, elas são medidas por seu grau de eficiência. E isso não depende apenas dos manifestantes, mas de como as forças políticas que eles apoiam vão aproveitar seu impulso positivo.

Eliane Cantanhêde: Banho de água fria

- O Estado de S.Paulo

PIB e estudantada nas ruas encolhem o que seria a melhor semana de Bolsonaro

A expectativa de que esta fosse a melhor semana do presidente Jair Bolsonaro, em seus cinco meses de governo, ruiu ontem com o anúncio do PIB negativo e o despertar de um velho ator da política brasileira: a estudantada. Uma nova fase de recessão entrou no radar e o bolsonarismo conseguiu acionar o antibolsonarismo.

Desde as manifestações de domingo a seu favor, Bolsonaro andava saltitante e feliz. Propôs um “pacto” ao Legislativo e ao Judiciário (aliás, alvos dos atos bolsonaristas), aprovou sem dificuldade a MP que reformou a Esplanada dos Ministérios e foi a pé, simpaticamente, ao Congresso.

Dizem que “alegria de pobre dura pouco”, mas, desta vez, foi a alegria do presidente que durou apenas três dias. Já na quinta-feira, o desânimo voltou a turvar o ambiente político, econômico e, consequentemente, social. Agora, com uma novidade: o intocável Paulo Guedes começa a ser arranhado. Só a promessa de reforma da Previdência não está mais dando para o gasto.

A queda de 0,2% do PIB no primeiro trimestre não surpreendeu o mercado, mas contém alguns dados de doer. Foi o primeiro recuo desde 2016 e escancarou a dificuldade do País em garantir investimento. Por quê? Porque os erros políticos do governo Bolsonaro afetam a confiança e a economia. Quem investe num ambiente desses, cheio de trapalhadas e incógnitas?

Um dos erros é provocar, sistematicamente, um setor com alto poder de mobilização, a educação. O primeiro ministro, Vélez Rodríguez, foi engolido por um redemoinho ideológico. O segundo, Abraham Weintraub, já assumiu cutucando a onça com vara curta.

Ambos veem esquerdistas por todos os lados, mas Weintraub foi das palavras aos atos, com cortes no orçamento das universidades, desdém pela área de Humanas e redução das pesquisas (sem falar na desconfiança de órgãos de excelência como IBGE e Fiocruz, que têm fortes laços com a academia). De tanto insistir, o governo conseguiu devolver os estudantes às ruas, depois de anos e anos de preguiça, leniência e alegre promiscuidade da UNE com o poder na era PT.

Celso Ming: Andando para trás

- O Estado de S.Paulo

A evolução do PIB nos últimos trimestres é como subir um degrau de escada e descer dois

Em economia, algumas convenções perderam o sentido. Uma delas diz respeito a como entender um quadro de recessão.

A convenção diz lá que deve ser considerada recessão a evolução negativa do PIB em dois trimestres consecutivos. No caso do Brasil, o avanço do PIB no último trimestre de 2018 (sobre o anterior) foi positivo em apenas 0,1% e o do primeiro deste ano, negativo em 0,2%. Na acumulada desses dois trimestres, a renda nacional a preços constantes de mercado, avisa o IBGE, recuou 0,3%. Mas, pelas tais convenções, essa perda de renda não deve ser considerada recessão, pois não configura queda do PIB em dois trimestres consecutivos. Isso aí é como subir um degrau de escada e descer dois. O resultado geral o que é?

Embora este seja o primeiro PIB negativo no encadeamento de oito trimestres consecutivos; e embora o período de 12 meses até final de março ainda registre crescimento de 0,9%, o fato é que o desempenho da economia, mesmo que esperado, é desolador.

Trata-se de ambiente claro de desaceleração da atividade produtiva. Apesar disso, os prognósticos ainda apontam para um avanço positivo do PIB em todo o ano de 2019, da ordem de 1,2%, conforme esperam as entidades rastreadas pela Pesquisa Focus, do Banco Central.

Na ótica da demanda de bens e serviços, o comportamento mais decepcionante foi o do investimento (Formação Bruta do Capital Fixo), que recuou 1,7% em relação ao último trimestre de 2018, totalizando perda de 4,1% em dois trimestres consecutivos. Como está no gráfico abaixo, apenas 15,5% do PIB foi destinado ao investimento. E queda do volume de investimento projeta queda também da produção futura: se há redução do plantio, há redução da colheita. Para crescer 3% ao ano de maneira sustentável, o investimento deve ser de pelo menos 22% do PIB. Do lado da oferta, também como esperado, o pior desempenho foi da indústria extrativa, que recuou 3,0%.

César Felício: Muita lenha para queimar

- Valor Econômico

Oposição não sabe o tamanho da cela, mas está encarcerada

As manifestações de ontem, a julgar pelas informações preliminares, devem mostrar à oposição ao governo Bolsonaro seus limites. Tanto o lado azul quanto o vermelho mostraram capacidade de ocupar ruas, mas claro está que não se vive um clima de Primavera Árabe, ou de Junho de 2013. Os atos estão na equação política, mas não ganharam e nem devem ganhar no futuro próximo centralidade.

No de ontem, até o início da noite, houve manifestações em 131 cidades em 26 Estados e no Distrito Federal. Boa parte no Nordeste, como as registradas na Bahia (12 cidades), Paraíba (9), Pernambuco (6) e Ceará (6), mas em São Paulo os atos foram de Birigui a Ubatuba, em 17 municípios. Foram atos relevantes, que incomodam o governo, mas não criam uma dinâmica desestabilizadora. Até certo ponto favorecem a estratégia de Bolsonaro, a quem interessa manter um clima de radicalização pré-eleitoral.

Para um governo sem base no Congresso e ideias concretas para reativar uma economia em ponto morto, contar com uma oposição no estado em que está a brasileira não deixa de ser um conforto. Alguém duvida que os maiores desafios a serem ultrapassados por Bolsonaro estão entre os seus companheiros de trincheira, e não do outro lado?

Não se sabe ainda o tamanho da cela, mas a oposição está encarcerada. Sua maior esperança é por uma espécie de autofalência bolsonarista, seja por total inépcia administrativa do presidente, ou em caso de uma tentativa desastrada de golpe, como a feita por Jânio Quadros, em 1961.

A oposição alimenta-se da narrativa do golpe e da conspiração internacional e é só torcida: aguarda-se que o preço a ser cobrado pelo Centrão para aprovar as reformas seja insuportável; que Bolsonaro continue empurrando os estudantes para as ruas com o arrocho na educação; que o Ministério Público do Rio de Janeiro comprometa ainda mais a família presidencial com antigos e atuais milicianos, e por aí vai.

Como Blanche Du Bois, a personagem da peça "Um bonde chamado desejo", depende da bondade de estranhos. Para explicar a analogia, Blanche é uma senhora que vive fechada em suas ilusões de grandeza passada e refinamento, e é destruída mental e fisicamente ao entrar em atrito com o cunhado sociopata.

*Fernando Abrucio: Para além do modelo estatal de Bolsonaro

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

No campo dos direitos civis ou políticos, o presidente e seus fiéis representam a mistura de conservadorismo moral com o que Bobbio chamou de liberismo, um liberalismo estritamente econômico 

O Brasil vive um momento de posições extremas. Um dos pontos de atrito é o papel do Estado. A peleja aqui seria entre a visão defendida pela Constituição de 1988, representando um estilo social democrata, e um novo modelo de cunho liberal, que seria defendido pelo atual governo, tal como definiu o ministro Paulo Guedes. O caminho da mudança passaria pela redução do tamanho do governo e pelo aumento das liberdades dos indivíduos e das famílias. Tudo parece simples nessa dicotomia, mas a realidade é mais complexa e nuançada.

Para começar a desmistificar o sentido dessa dicotomia, basta lembrar que a Constituição de 1988 é um marco na garantia das liberdades individuais e coletivas. Antes dela, nossa tradição constitucional era muito mais paternalista e contrária à autonomia dos cidadãos e da sociedade. Nesse sentido, mesmo tendo reservado um grande papel ao Estado em políticas econômicas e sociais, o novo arcabouço legal permitiu a expansão do liberalismo em termos de direitos políticos e civis.

O risco às liberdades individuais pode estar mais no novo liberalismo do que no modelo social democrata presente na Constituição. O discurso bolsonarista em nome da família, quando não da religião, coloca em risco à diversidade de posições que cada indivíduo pode assumir na esfera pública ou privada. Numa sociedade aberta, nos termos que Karl Popper definia seu liberalismo, até os comunistas - reais e imaginários - podem ter o direito de defender essa visão de mundo. Na mesma linha, se quisermos ser liberais de fato, não poderíamos nos intrometer na escolha sexual dos turistas que nos visitam.

Seguindo essa argumentação, portanto, o modelo constitucional de 1988 é mais liberal do que o novo liberalismo pregado por Bolsonaro. E se seguirmos os princípios dos liberais mais recentes das teorias da Justiça, segundo os quais é preciso garantir igualdade de oportunidades no ponto de partida (e não no ponto de chegada), aí então se constata que o bolsonarismo só quer garantir as liberdades individuais para alguns. O exemplo mais cabal desse raciocínio está na ampliação da possibilidade do uso de armas pelos cidadãos.

Se a todos for dado o direito de usar armas, a maior parte da população, composta de cidadãos pobres, ficará desarmada, enquanto os mais aquinhoados serão mais livres do que os demais para poderem se proteger. Essa desigualdade de origem só poderia ser combatida se fosse dada uma "bolsa armamento" (armas mais munição grátis ou subsidiada) para o grande contingente de pessoas sem renda suficiente para ganhar essa liberdade. Do contrário, o liberalismo de Bolsonaro produzirá o seu inverso: maior sujeição dos mais carentes frente aos mais ricos, ou às mesmas máfias e milícias locais que já os dominam.

Vale relembrar que o liberalismo moderno, inaugurado por John Locke e os federalistas americanos, só pode nascer porque Thomas Hobbes tinha defendido que cabia ao Estado garantir a segurança básica aos cidadãos para que eles pudessem ser livres em termos políticos e econômicos. Se em vez do Leviatã hobbesiano a Europa tivesse optado pelo uso irrestrito de armas, a guerra de todos contra todos teria se instaurado, e as principais instituições liberal-democratas do mundo moderno não teriam surgido e se desenvolvido.

No bolsonarismo, a defesa da liberdade estendida a todos está mais no terreno econômico do que no campo dos direitos civis ou políticos. Bolsonaro e seus fiéis, na verdade, representam mais a mistura de conservadorismo moral com aquilo que o filósofo Norberto Bobbio chamou de liberismo, isto é, um liberalismo estritamente econômico.

Claudia Safatle: País vive a recessão do investimento

- Valor Econômico

Governo, STF e Congresso não podem perder tempo

A queda de 0,2% no Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre do ano frente ao último trimestre de 2018, não condena o país à volta da recessão neste ano, definida por dois trimestres de contração da atividade econômica. Mas os dados do IBGE, divulgados ontem, reiteram a triste performance do investimento, que teve queda de 1,7% em igual período. O panorama, hoje, é de "estagnação do PIB e recessão do investimento", sintetiza Sílvia Matos, especialista em contas nacionais e coordenadora técnica do Boletim Macro Ibre/FGV.

Mesmo assim, ela ainda mantém um cenário básico de crescimento de 1,2% para o ano, com igual desempenho do investimento. Parte dos analistas do setor privado já trabalha com resultado abaixo de 1% de expansão do produto interno..

Uma das características deste ano, portanto, deve ser a de ter piores indicadores de investimento do que em 2018. Essa é uma questão importante diante da expectativa de que ocorresse exatamente o contrário, em função da mudança de governo e de todas as esperanças que uma nova administração traz.

Sílvia Matos explica que o crescimento de 4,1% do investimento no ano passado está superestimado porque foram contabilizadas importações antigas de plataformas de petróleo. Sem essas importações, feitas no passado mas só consideradas em 2018, a expansão do investimento foi de apenas metade do registrado. Para este ano, os cálculos sem as plataformas apontam para alta de 1,2% no investimento.

Hoje deve ser divulgado o Indicador de Incerteza da Economia, pelo Ibre, que, após registrar forte aumento no período posterior às eleições de outubro, começou a cair em março, continuou em abril e deverá ter nova piora em maio.

*José de Souza Martins: Raoni, nosso diplomata

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Uma linda foto de Thomas Samson, fotógrafo da AFP, publicada em vários jornais, comove. É do cacique Raoni Txukahamãe a ser abraçado pelo presidente Macron, da França, após reunião no Palácio do Eliseu. Outras lideranças indígenas brasileiras estiveram na reunião. Comove porque no cenário cinzento da pobreza de espírito e da ignorância em que estamos mergulhados, um brasileiro respeitado no mundo todo é ouvido e nos redime a todos.

Ele não fala apenas em nome dos índios do Brasil, neste momento ameaçados no essencial de sua condição humana e de sua identidade. Pois, querem privá-los de direitos reconhecidos pelo Estado desde os tempos do Brasil colônia. De quando, entre altos e baixos, já se esboçava uma consciência de identidade brasileira, que do indígena, além da cor mameluca da pele, conservava, também, a língua geral, o tupi dos índios da costa.

Identidade de mestiçagem que já nos diferençava e era temida pelos que nos queriam reduzidos a insignificantes. Coisa que ainda hoje há quem nos queira assim, como cópia de uma nação cujo modelo é a de mascadores de chicle, tomadores de refrigerantes de fórmulas secretas, filhos da cultura dos filmes de caubói.

Raoni envelheceu com altivez, desde os tempos heroicos da emergência política das nações indígenas brasileiras, há 40 anos. Estimulado pelo cantor Sting, foi quando ganhou protagonismo internacional em defesa de nossas populações nativas. Estavam elas ameaçadas de redução à condição de potenciais servos da gleba dos grandes fazendeiros que cobiçavam seus territórios ancestrais.

Raoni foi e tem sido o grande símbolo da resistência cidadã e patriótica contra a voracidade especulativa de gente inculta e incivilizada que se crê de empresários. Mas diferente da também heroica geração de empresários que criou no Brasil o capitalismo moderno, comprometido com o progresso econômico vinculado ao progresso social. Emblemáticos empresários civilizados. Muito diferentes daqueles que, dizendo-se empresários de fato não o são, reduzidos à idolatria do lucro sem medida, formados na cultura dos filmes de caubói e de gibis de privada.

Luiz Carlos Azedo: O país à deriva

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A ideia de que Deus está acima de tudo e de todos na política é anterior a Maquiável e não é boa conselheira. O país precisa desviar seu curso do desastre e encontrar um porto seguro. A calmaria econômica é um mau presságio”

Fechamos o quinto mês do ano com a economia estagnada: menos 0,2% de crescimento do PIB no último trimestre em relação ao mesmo período do ano anterior, com o governo de Michel Temer já na bacia das almas. No ano passado, o crescimento do PIB foi de 1,1%; as agências de risco já estão projetando um PIB abaixo de 1% neste ano. O mercado já não espera a reforma da Previdência, cuja discussão na Câmara vai muito bem, obrigado. Está esperando que o governo Bolsonaro corrija o seu rumo de proa, porque a agulha aponta numa direção, mas o país deriva para o mesmo destino no qual foi lançado pelo governo Dilma Rousseff: a recessão.

Não existe bilhete premiado na Presidência da República. A eleição provou que o presidente Bolsonaro é um homem de sorte, poderia até ter morrido com a facada que levou em Juiz de Fora, em plena campanha. A brutal agressão acabou catapultando ainda mais sua candidatura e teve um papel importante na sua vitória. Mas não é bom abusar da sorte. A compulsão por jogos é semelhante a outros vícios, como alcoolismo, tabagismo e as drogas em geral. Estimula as mesmas áreas cerebrais e o comportamento é bem semelhante: compulsivo e impulsivo, a única coisa que tem de diferente é que não há o consumo de uma substância, mas se repete várias vezes na prática de mesma atividade prejudicial.

Diferentemente das drogas, o jogo é visto como um desvio moral, principalmente pela questão financeira, já que o jogador compulsivo geralmente perde muito dinheiro. Entretanto, é uma patologia, um transtorno diretamente proporcional à disponibilidade de jogos. Alguém já disse que a política é a arte das artes e a ciência das ciências, mas também é um jogo. E todo político é uma espécie de jogador compulsivo, pode perguntar a qualquer um das suas relações. O problema é que na Presidência da República, ainda mais num país de dimensões continentais, social e culturalmente complexo como Brasil, a caneta presidencial não é um taco de sinuca. As ações do governo têm uma força de inércia que afeta tremendamente a vida das pessoas. Quanto se erra estrategicamente nesse jogo, os estragos são em grande escala: os quase 13 milhões de desempregados, por exemplo. Não adianta rezar.

Reinaldo Azevedo: Os pactos do barulho e do silêncio

- Folha de S. Paulo

O Executivo estaria sequestrando Legislativo e Judiciário para atender a seus propósitos

Nas democracias, o pacto entre os Poderes se estabelece na Constituição. Desculpo-me se, ao fazer tal afirmação, chovo no molhado e no clichê, mas não resta alternativa quando o conhecimento firmado mais comezinho sobre política é ignorado em favor de uma fantasia.

Até porque me pergunto como se daria o "troço" —ocorreram-me substantivos menos decorosos. A "coisa" —mais uma concessão à delicadeza— só seria possível se cada Poder abrisse mão de suas respectivas prerrogativas para abraçar as que aos outros dois pertencem ou se os três adotassem estranhezas impróprias a cada um. Nesse caso, não seria pacto, mas bagunça.

Estamos obviamente diante de um entendimento prejudicado do que é o regime democrático e do que significa a independência entre os três Poderes. "Ah, isso é o mundo ideal...". É, sim! Na vida pública, convém perseguir o ideal para que o real não se abastarde. A ética da responsabilidade modula a da convicção. Se aquela mata esta, o horizonte é o pragmatismo obscurantista.

Avance-se um tanto mais. O Executivo e o Legislativo são os Poderes que traduzem as vontades conflitantes da sociedade. O Judiciário é, por excelência, o Poder do Estado. Os dois primeiros estão sujeitos às vagas de opinião, refletem a temperatura dos embates públicos, carregam as marcas e cicatrizes das nossas dissensões e divergências.

Hélio Schwartsman: Bolsonaro é inteligente?

- Folha de S. Paulo

Atos do presidente suscitam dúvidas se ele tem uma estratégia pensada ou não

Bolsonaro, afinal, é inteligente ou não? Ele estabelece objetivos e se vale de uma estratégia pensada para alcançá-los ou apenas vai se posicionando meio caoticamente diante das questões que se lhe apresentam? As opiniões se dividem.

Um bom argumento pró-inteligência é o de que ele venceu a eleição mais disputada do país. Velhas raposas da política, algumas com lustrosos títulos acadêmicos, já tentaram e fracassaram.

Admito que o presidente fez coisas certas durante a campanha, mas desconfio um pouco do uso de resultados discretos como métrica de capacidades individuais. O acaso e outras forças que não controlamos são muito mais decisivos para o desfecho de eventos do que nossas mentes fascinadas por comando estão prontas a admitir.

Bruno Boghossian: Lógica da intimidação

- Folha de S. Paulo

Sem resposta para educação, Weintraub insiste em guerra constante contra ideologia

O ministro da Educação decidiu aplicar a lógica da intimidação para reagir aos protestos contra a política do governo para o setor. Abraham Weintraub pediu que a população denuncie quem incentivar manifestações e ameaçou demitir professores que anunciarem esses atos.

À espera do movimento que iria às ruas nesta quinta (30), o MEC disparou uma nota para dizer que “professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar”. Além de inócuo, o texto mostrou o delírio totalitário de governantes que gostariam de ter controle até sobre as famílias dos estudantes.

Weintraub tenta se desviar das agruras do cargo ao se vender como vítima de um complô partidário. O segundo protesto contra sua gestão tinha, de fato, a participação de organizações como a UNE e a CUT. Havia faixas contra Jair Bolsonaro, e políticos de esquerda estiveram em alguns dos atos, mas o ministro deveria saber que os choques políticos fazem parte da democracia.

O próprio Weintraub admite que seu objetivo é constranger os servidores. Ao receber o vídeo de um professor que, exaltado, dizia a alunos que eles deveriam defender a educação pública, o ministro sugeriu abrir um processo para exonerá-lo. Ele lamentou que o sistema fosse demorado, mas acrescentou que a ação assustaria “essa turma de ‘corajosos’ que usa crianças e menores de idade como bucha de canhão”.

Vinicius Torres Freire: Chupeta na bateria arriada do PIB

- Folha de S. Paulo

Fundo ajuda um tico no consumo, mas falta investimento, o público em especial

Quando a água bate nas costas, para não dizer outra coisa, até economista ultraliberal inventa um modo de estimular o consumo. Ou, como disse o ministro Paulo Guedes (Economia), de modo pitoresco e característico, dá-se um jeito de fazer uma “chupeta na bateria” arriada do PIB (carregar provisoriamente uma bateria de carro).

No caso, o estímulo viria do dinheiro da liberação de saques nas contas do FGTS e do tutu esquecido no Pis/Pasep. Como disse Guedes e como sabe qualquer motorista que já ficou a pé com uma bateria nas últimas, “chupeta” dura pouco. É gambiarra. Mas estamos pifados em uma rua escura e sinistra. Vale.

Como se soube nesta quinta-feira, o Pibinho voltou a encolher no trimestre e pode não avançar muito mais do que 0,5% neste 2019, metade do crescimento insignificante do ano passado (1,1%).

Quanto vale o show dos saques do FGTS e do Pis/Pasep?

Depois da notícia do Pibículo, ouvia-se gente a dizer que os saques poderiam ser de 30% das contas ativas, o que renderia uns R$ 120 bilhões. É delírio ou rolo. O patrimônio líquido do FGTS era de R$ 104 bilhões em setembro de 2018 (segundo o último balancete trimestral disponível).

Patrimônio líquido é a diferença entre haveres (investimentos, aplicações financeiras, caixa) e obrigações (os depósitos nas contas dos trabalhadores, no grosso). Mas o Fundo não pode torrar essa “sobra” e, muito importante, do seu caixa sai dinheiro para financiar casas, saneamento e transporte (neste ano, R$ 78,6 bilhões).

O FGTS tem muito investimento de médio e longo prazo; não dá para mexer aí. Se torrar aplicações financeiras, pode haver descasamento de entradas e saídas de dinheiro (crise de liquidez); com um saque grande, a receita também vai cair.

Ricardo Noblat: De Obama para Bolsonaro

- Blog do Noblat / Veja

Lições para um presidente acidental
Em sua segunda visita ao Brasil (a primeira foi como presidente dos Estados Unidos em 2017), Barack Obama participou em São Paulo de um evento de inovação digital e deixou pelo menos cinco lições para quem interessar possa.

1ª Lição
“Digo aos conservadores que só acreditam no mercado: não pode ter mercado funcionando direito sem ter um governo que funciona, sem estado de direito, sem transparência. Se há corrupção e uma empresa precisa pagar propina, não há bom governo nem um capitalismo que funcione”.

2ª Lição
“A chave do sucesso é a educação. Dar educação e serviços sociais não é caridade, é uma ferramenta de desenvolvimento econômico. Um país que não tem este tipo de investimento nas pessoas, ele provavelmente não será bem-sucedido”.

3ª lição
“O poder de inspirar uma criança é um dos maiores presentes que um professor pode dar. Um mau professor pode te ensinar álgebra e outras coisas. Mas grandes professores conseguem te ajudar a identificar as coisas que impedem você de ser aquele que você quer ser. […] No Brasil há muita gente que poderia estar fazendo coisas incríveis se tivesse a chance”.

4ª Lição
“Algumas vezes, particularmente na América Latina, onde existem profundas divisões políticas entre esquerda e direita, tudo é muito ideológico, vejo que as pessoas não acreditam no governo e no mercado. Não existe um mercado funcional sem um bom governo. E, se você não tem um bom sistema educacional, não tem um bom mercado. Sem isso tudo, não há um bom governo”.

5ª Lição
“As leis de armas nos Estados Unidos não fazem sentido. As pessoas podem comprar qualquer tipo de armamento nas lojas, pela internet… Eu tive que falar com pais de crianças mortas e não pude nem prometer que isso mudaria porque não poderia mudar as leis. Esse foi o dia mais frustrante do meu governo”.

Toffoli, o novo garoto do capitão

Bolo de festa
Poderia ter soado à malvadeza, mas não foi. O presidente Jair Bolsonaro está de fato encantado com o ministro José DiasToffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que só esta semana tomou dois cafés da manhã com ele no Palácio do Planalto.

O primeiro reuniu os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, além de ministros do governo e assessores. O segundo foi mais alegre e descontraído. Bolsonaro e Toffoli até posaram para selfies na companhia de deputadas federais e senadoras.

Foi nessa ocasião que Bolsonaro fez o elogio que ficará para sempre na biografia do mais jovem presidente da história do Supremo:

– [Toffoli] tem sido uma pessoa excepcional. É muito bom nós termos aqui a Justiça ao nosso lado, ao lado do que é certo, ao lado que é razoável e ao lado do que é bom para o nosso Brasil.

O ministros sorriu agradecido. E não passou recibo do fato de Bolsonaro tê-lo usado para sugerir que a Justiça apoia seu governo porque ele é o certo, o razoável e o bom para o Brasil.

Zelasse mais pela imagem do seu cargo, Toffoli deveria ter faltado aos dois cafés da manhã. Ao primeiro porque Bolsonaro queria discutir um pacto entre os poderes da República para que ele possa governar melhor – e a Justiça não deveria meter-se nisso.

Ao segundo café porque nada de relevante se passaria ali, como não se passou. Foi só mais uma jogada de marketing de Bolsonaro para melhorar sua imagem entre as mulheres. E, no entanto, Toffoli concordou em ir para fazer papel de figurante.

Dora Kramer: Conversa mole

- Revista Veja

Bolsonaro não tem sido um interlocutor confiável

Governantes residentes em becos sem saída costumam recorrer a soluções semelhantes, sendo o convite para a assinatura de “pactos” a mais comum delas. Jair Bolsonaro não está naquela situação extrema e, ainda assim, convidou os presidentes do Legislativo e do Judiciário para firmar um pacto, uma desgastada e falsa solução que, como de hábito, não dará em coisa alguma. Pelo motivo simples de que a tradução do governo para pacto é uma proposta de acerto para apoio incondicional, e isso o presidente não conseguirá.

A ideia de Bolsonaro obviamente foi conferir às manifestações do dia 26 um peso na ordem institucional que, de fato, não tiveram. Os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal atenderam ao pedido a que não poderiam deixar de atender, sabendo do propósito e, ao mesmo tempo, da inutilidade da convocação. Cada um dos poderes dispõe de agenda específica e todos eles buscam o melhor para si, o que nem sempre guarda relação com o mais confortável para o vizinho constitucional.

Afora isso, o presidente da República não tem se notabilizado por ser um interlocutor confiável. Num dia morde, no outro assopra e no seguinte de novo volta a morder para depois tornar a assoprar, dependendo das circunstâncias. A dinâmica obedece à lógica primária das ações presidenciais que, por isso, carecem de credibilidade e, como toda trama tosca, quedou-se devidamente desvendada em seus primeiros movimentos. Isso para dizer que os locatários de poderosos gabinetes da República não caem na conversa (fiada) de Sua Excelência.

Jair Bolsonaro aparentemente saiu ileso da convocação do protesto a favor, que poderia ter sido um erro fatal cometido nos acordes iniciais do governo. Saiu não tão intacto quanto gostaria, pois demonstrou na convocação aos pares que teme o efeito da volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar.

*Monica De Bolle: Loucura como método

- Época

Mas método sem loucura é apenas a repetição do mantra “reforma da Previdência, ommm”.

Nem todas as respostas para as perguntas desta vida se resumem à urgência da reforma da Previdência, assim como nem todas as respostas às perguntas sobre os problemas do Brasil deveriam gerar repetecos pelo temor de acusações e de tentativas de constranger quem faz as perguntas. Se algum dia não tivéssemos posto em prática a loucura com método, a vontade de testar limites dentro das restrições existentes, o Brasil provavelmente ainda padeceria de hiperinflação e outros males. Ou teria se tornado uma economia com alto grau de dolarização, com os inúmeros problemas que isso nos traria, como se pode testemunhar com o drama da Argentina. O Plano Real, que em breve completará 25 anos, nasceu dessa loucura metódica. Perdemos a capacidade de pensar dessa maneira depois que Dilma Rousseff e Guido Mantega nos trouxeram a loucura sem método, ainda que tenham sido motivados por dar impulso à economia num momento externo turbulento. Loucura sem método, como a nova matriz econômica, não funciona.

Portanto, a vocês, leitores, ofereço esta semana uma lista no lugar de um artigo. Trata-se de lista de perguntas que tenho me feito todos os dias, algumas das quais têm me levado à loucura, sempre com método. Tratei um pouco disso no artigo publicado no site de ÉPOCA em 24 de maio. Aqui estão:

DEM manda recados ao Planalto e defende Maia

Convenção tem desagravo ao presidente da Câmara, alvo dos atos pró-governo

Vera Rosa Mariana Haubert / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em convenção marcada por recados ao Palácio do Planalto, o DEM procurou se apresentar ontem como o partido da moderação na cena política, que defende a agenda econômica, mas não dá um cheque em branco ao governo. Embora ministros da equipe de Jair Bolsonaro estivessem no palco, dirigentes da sigla fizeram questão de delimitar ali as responsabilidades do Planalto e do Congresso.

O único a pregar publicamente a entrada do DEM na base aliada de Bolsonaro foi o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. O apoio formal ao governo, porém, passou longe de qualquer votação, apesar de o DEM ocupar três ministérios (Casa Civil, Saúde e Agricultura) desde janeiro.

Sob o slogan “O Brasil não pode parar”, a convenção que renovou por mais três anos o mandato do prefeito de Salvador, ACM Neto, no comando do DEM, também serviu para defender o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticado nas manifestações pró-governo, há cinco dias.

No auditório Nereu Ramos da Câmara, deputados, senadores e até o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, fizeram uma espécie de desagravo a Maia. Além disso, o DEM pôs em prática a estratégia retórica para se desligar do Centrão, grupo que reúne cerca de 230 dos 513 deputados e tem sido alvo de ataques nas ruas e nas redes sociais. Maia é visto como o principal articulador do Centrão, que abriga partidos como DEM, PP, PR, PRB, MDB e SD.

No dia em que o IBGE anunciou queda de 0,2% no PIB do primeiro trimestre, o presidente da Câmara defendeu a votação de propostas para estimular o crescimento. Por sugestão do deputado, a convenção do DEM aprovou uma moção de apoio à reforma da Previdência.

Logo após Caiado pedir “encarecidamente” que o DEM entrasse na base de sustentação do Planalto, sob o argumento de que “o partido não pode dar uma de Pôncio Pilatos e lavar as mãos”, Maia disse que ser ou não ser governo é o que menos importa.

“O mais importante é ser a favor de uma agenda”, insistiu ele. “E não é tudo responsabilidade do Parlamento. Vamos separar as responsabilidades. Não podem transferir todas as responsabilidades e todos os males para a Câmara.”

ACM Neto seguiu na mesma toada ao afirmar que o DEM não podia “gastar energia” com o debate sobre a adesão ao governo. “Conclamo que não percamos tempo com aquilo que não vai nos levar a nada”, resumiu. Para o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), o DEM tem ajudado mais Bolsonaro do que o próprio PSL, partido do presidente. “Não estou fazendo crítica. É uma constatação”, afirmou.

Após tantas estocadas, Caiado admitiu não ter maioria para sua tese. “Fui vencido hoje, mas continuo dizendo que não vai adiantar falar amanhã, se houver algum insucesso, que não estávamos umbilicalmente ligados ao governo”, comentou.

Congresso é tão forte quanto Executivo, diz Maia

Em convenção, presidente da Câmara afirma que o Legislativo tem ‘papel decisivo’ e que política se faz pelos partidos. Em discurso, Onyx não descarta volta de Bolsonaro ao DEM: ‘Quem sabe gostaria de voltar para casa'

Marco Grillo e Eduardo Bresciani / O Globo

BRASÍLIA - Dois dias após o presidente Jair Bolsonaro afirmar que “tem muito mais poder” do que o Legislativo, referindo-se à sua prerrogativa de editar decretos, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mudou o tom ontem e disse que a atuação do Congresso é tão relevante quanto a do Executivo.

Anteontem, Maia havia minimizado a declaração do presidente ao dizer que não viu maldade de Bolsonaro. Na saída da convenção do DEM, em Brasília, o presidente da Câmara ressaltou que o Legislativo tem “papel decisivo” nas instituições do país.

— Foram 97 milhões de votos dados a deputados e deputadas na eleição de 2018. A representação é tão forte quanto a representação do Poder Executivo. A política se faz através de partidos. Então, quando se trata de forma pejorativa os partidos, não se está enfraquecendo apenas uma agremiação política, está se enfraquecendo a democracia brasileira —disse Maia.

Mais cedo, no discurso na convenção, Maia já havia ressaltado a atuação das legendas como mecanismo para evitar o “enfraquecimento da democracia”:

— Quando a gente fala de democracia, falamos de instituições fortes. Quando nós falamos de democracia e da importância do Parlamento, falamos de partidos fortes. A forma pejorativa com que muitas vezes tratam o Democratas e outros partidos é o caminho do enfraquecimento da democracia.

Na convenção, o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA), reclamou do uso da expressão “centrão”.

— Se existiu algum dia na nossa história (...), esse “centrão” foi destruído exatamente pelo deputado Rodrigo Maia —disse Elmar.

DEM faz ato com indiretas a Bolsonaro e evita apoio formal ao governo federal

Presidente do partido, ACM Neto disse que base governista deveria conter provocações e focar reformas

Daniel Carvalho e Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em uma convenção com várias indiretas ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) nesta quinta-feira (30), o DEM evitou dar apoio formal ao governo, comprometendo-se apenas com a agenda de reformas econômicas defendidas pelo Palácio do Planalto.

Na titularidade das pastas da Casa Civil, da Saúde e da Agricultura e nas presidências da Câmara e do Senado, alcançadas com apoio do governo, o partido tem sido alvo de críticas de correligionários e apoiadores de Bolsonaro, que cobram uma declaração explícita de adesão.

De dentro do DEM, as cobranças foram vocalizadas pelo ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado.

"O presidente da República precisa do apoio do Democratas. Não é apoio ao presidente, é apoio ao país. Eu peço: vamos assumir o governo para sairmos da crise e mostrarmos que temos como ajudar a população brasileira", disse Caiado.

Onyx foi além e especulou sobre a volta de Bolsonaro ao DEM. O presidente integrou os quadros do PFL (antigo nome do Democratas) em 2005, mas, no mesmo ano, migrou para o PP.

"Nós vencemos e hoje temos a Presidência. Um ex-filiado do PFL, um ex-filiado do Democratas e que olha para o nosso partido com imenso respeito e, por que não dizer, com o olho de quem sabe gostaria de voltar para casa", disse o ministro em seu discurso.

Quando lhe foi perguntado pela Folha, após o evento, se havia alguma sinalização do presidente nesse sentido, Onyx respondeu rindo: "Eu vejo nos olhos dele".

Mas os demais oradores foram em outra direção. Antes mesmo do início da convenção, o presidente nacional do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto, disse que o propósito do ato não era definir apoio ao governo.

"Temos compromisso com a agenda do país, independentemente de compor uma base formal", disse Neto em entrevista.

Indagado sobre as críticas dos aliados de Bolsonaro, afirmou que não cairia em provocações.

"Não acho que é o momento de alimentar esse tipo de polêmica ou discussão. Honestamente, quem tem preocupação com o andamento da agenda do país deve somar esforços, e não utilizar redes sociais ou mesmo o plenário da Câmara ou do Senado para provocações", disse o prefeito de Salvador.

"Não digo que essa seja uma questão do governo, mas alguns aliados do governo perdem tempo com fogo amigo. Poderiam estar somando esforços e concentrando energia no que é importante, que é o avanço dessas reformas, principalmente na Câmara dos Deputados, com relação à reforma da Previdência", afirmou ACM Neto.

Aliado de Doria, ex-ministro assume hoje PSDB

Velha guarda do partido tentou encontrar um nome alternativo a Bruno Araújo, mas não conseguiu. Ascensão do governador de São Paulo não é uma questão pacificada internamente; FH não participará da convenção

Silvia Amorim / O Globo

SÃO PAULO - O resultado da eleição para governador de São Paulo havia acabado de ser anunciado quando o vitorioso, João Doria, colocou seus aliados mais próximos em uma van e seguiu para a festa de comemoração. Um deles, entretanto, destoava dos demais. Era o deputado federal e ex-ministro das Cidades Bruno Araújo (PE), único integrante do PSDB de fora de São Paulo no veículo. Não havia nem dois anos que o governador eleito e Araújo se conheciam.

Sete meses se passaram desde a carona na van de Doria e, hoje, Araújo, novamente sob condução do paulista, será aclamado presidente do PSDB. Não é segredo no partido que se trata de uma conquista compartilhada e que, ao lado do ex-deputado, estará na direção da sigla nos próximos dois anos o governador de São Paulo.

Circunstâncias políticas aproximaram Doria e Araújo. As primeiras conversas aconteceram em 2017, quando Doria era prefeito de São Paulo e o pernambucano era ministro do governo Michel Temer.

Foram diversas reuniões para negociar projetos e parcerias em uma época em que Doria alimentava o projeto de ser candidato à Presidência da República nas eleições do ano passado. Com bom relacionamento com Temer, Doria via o Ministério das Cidades como uma fonte importante de recursos para sua gestão na prefeitura.

Mais adiante, Doria e Araújo se viram juntos em uma batalha partidária. Era meados de 2017 e o partido incendiava com o debate sobre ficar ou deixar o governo Temer. Doria e Araújo estavam na mesma trincheira, defendendo a permanência dos ministros do PSDB nos cargos. A relação se estreitou ainda mais.

ESCOLHA PRAGMÁTICA
Na campanha de 2018, mesmo candidato ao Senado por Pernambuco, o ex-deputado apareceu algumas vezes no palanque de Doria.

Nos últimos três meses, já na tarefa da se viabilizar para a presidência do PSDB, Araújo percorreu o país para tentar convencer velha e nova guarda tucanas da necessidade de uma transição de poder na legenda o menos desgastante possível.

Aliados contam que a escolha de Doria pelo ex-ministro foi pragmática.

— Ele tinha o perfil que o João procurava para o seu discurso do novo PSDB: juventude, cara nova na política e experiência — resumiu um aliado de primeira hora do governador.
Esses mesmos aliados dizem que Araújo assume agora o cargo com uma dívida de gratidão com Doria.

— Se não fosse presidente do PSDB, o Bruno estaria na Nasa ou em algum lugar do espaço, sem cargo e sem mandato — comentou um dos primeiros tucanos a sugerir o nome do pernambucano para o governador.

TRAIÇÕES
Doria depende de uma condução bem-sucedida do partido para chegar como candidato viável em 2022. Nesse projeto, a maior tarefa de Araújo será convencer os eleitores, já na disputa municipal do ano que vem, de que o PSDB realmente mudou.

PSDB entra na 'era Doria' e tenta conter poder de governador

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - Sob a hegemonia de João Doria, o PSDB escolhe hoje a nova direção nacional que deve pavimentar o caminho do governador de São Paulo à disputa presidencial de 2022. A velha guarda tucana assiste silenciosa aos movimentos de Doria, mas internamente foram criadas contenções para que o governador não domine de forma autoritária a legenda. A principal medida foi garantir a permanência de todos os ex-presidentes do PSDB na Executiva Nacional, o que é previsto pelo estatuto do partido: Geraldo Alckmin, José Serra, Tasso Jereissati, José Aníbal, Aécio Neves e Teotonio Vilela Filho. "Nenhum deles tem hoje simpatia por Doria", diz um integrante da executiva.

O ex-ministro e ex-deputado federal Bruno Araújo, pernambucano, assume a sigla, escolhido por Doria. Na semana passada, segundo relatos de tucanos ao Valor, Araújo manifestou claramente preocupações em ser identificado como linha de transmissão de Doria no PSDB e cogitou desistir da disputa.

Doria não aceitou a decisão e pressionou Araújo. Nos bastidores, o ex-ministro do governo Michel Temer teme um cenário futuro de conflitos com o governador e ressaltou a dificuldade de Doria em aceitar posições contrárias às suas. Bruno Araújo se recolheu nos últimos dias e pretende enfatizar, ao assumir o posto, que o PSDB não tem dono e não faz parte do governo de Jair Bolsonaro.

Não foi confirmada a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na convenção nacional do partido hoje. Lideranças tucanas reconhecem o protagonismo de Doria na atual conjuntura política, mas ressaltam a necessidade de preservar compromissos históricos do PSDB com a social-democracia.

"O PSDB, como outros partidos, não teve bom desempenho nas eleições passadas, o que nos leva a uma necessária reflexão. Por outro lado, o partido tem valores da social-democracia que não podem ser abandonados, ainda mais hoje no Brasil. São valores nas políticas sociais, na área da saúde, educação, assistência social, direitos humanos, que eu defendo. É um partido social-democrata, como diz o nome", enfatizou o senador Antonio Anastasia, ex-governador de Minas.

Protestos são registrados em 131 cidades

Por Carolina Freitas, Isadora Peron, Marcos de Moura e Souza e Cristian Klein | Valor Econômico

SÃO PAULO, BRASÍLIA, BELO HORIZONTE E RIO - Os protestos realizados ontem em 131 cidades, contra a política educacional do governo federal, converteram-se em uma série de atos de oposição ao governo Jair Bolsonaro e se propagaram por todos os Estados e o Distrito Federal - a contabilização foi feita até às 20h.

Organizados por entidades estudantis, MST, CUT e partidos da esquerda como Psol e PT, os protestos se aproximaram em capilaridade àqueles organizados no domingo por apoiadores do presidente Bolsonaro, que foram realizados a favor da aprovação da reforma da Previdência e do pacote anticrime encaminhado ao Congresso pelo ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, em 156 municípios. Os protestos do dia 15 foram maiores.

Na ocasião, ocorreram atos contra o contingenciamento de gastos no orçamento do Ministério da Educação, também realizados em todos os Estados brasileiros, com engajamento em 198 cidades. A Polícia Militar de cada região estimou 20 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. No Rio e em São Paulo, a PM não divulgou números de participantes das manifestações, que aconteceram na orla de Copacabana e na avenida Paulista.

Nas redes sociais, as manifestações de rua começaram a semana com 16,7 milhões de citações nas redes sociais, na ressaca dos atos bolsonaristas de domingo, segundo mapeamento realizado pela consultoria .Map. Nos dias seguintes, houve queda nas repercussões referentes aos atos e protestos. Postagens sobre os protestos oposicionistas realizados ontem somaram 6,8 milhões de repercussões nas redes na terça, e caíram para 4,7 milhões na quarta-feira. Ontem, os manifestantes mostraram o melhor desempenho em engajamento e geraram 6,84 milhões de repercussões registradas até às 17h.

No entanto, prevaleceu a reprovação aos atos antigoverno. Na média da semana, as manifestações oposicionistas contaram com 30% de apoio no Twitter e no Facebook. A elevada reprovação é resultado da militância digital bolsonarista, segundo a consultoria, estimulada pelo resultado alcançado com as passeatas de domingo, promovidas em defesa do presidente. No domingo, os atos pró-governo registraram 72% de apoio nas redes sociais durante todo o período analisado.

Ontem, em São Paulo, a concentração de manifestantes iniciou-se na região do Largo da Batata a partir das 17 horas - a Polícia Militar informou que não realizou estimativas sobre a quantidade de pessoas que aderiram ao protesto.

Nem a galinha decolou: Editorial / O Estado de S. Paulo

Até um voo de galinha, um crescimento sem fôlego, seria bem-vindo num país assolado pelo desemprego, mas nem isso os desempregados, subempregados e desalentados tiveram no primeiro trimestre do novo governo, quando a economia encolheu 0,2%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A atividade continuou fraca em abril e em maio, desanimando empresários e consumidores e derrubando as previsões para este ano. Até o governo cortou sua previsão. Com a confirmação oficial do péssimo começo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, falou sobre a liberação de dinheiro do PIS-Pasep e do FGTS. Um sinal, enfim, de um empurrãozinho nos negócios e no emprego? Nada disso, por enquanto. Só depois de aprovada a reforma da Previdência, disse o ministro. Se essas torneiras forem abertas “sem as mudanças fundamentais”, explicou, o resultado será um voo de galinha. E os vinte e tantos milhões de desocupados e marginalizados do mercado de empregos?

Terão de esperar, porque o ministro e seus colegas de governo parecem pouco preocupados com essa gente. Ou, no mínimo, pouco atentos a detalhes do dia a dia, como as condições para comprar comida, remédios, sabonetes e também passagens para ir em busca de ocupação ou até a uma entrevista de emprego.

Tudo se passa, em Brasília, como se só o longo prazo importasse. De fato, crescimento duradouro só se alcança com previsibilidade, confiança, investimentos produtivos, educação e treinamento. A reforma da Previdência é importante para criar um horizonte mais claro. Mas as pessoas precisam comer no curto prazo. Além disso, até um voo de águia depende de um impulso inicial.

Por que deixar esse impulso para depois de aprovada a reforma? Para manter a sensação de urgência, como se os mais de 13 milhões de desempregados e milhares de empresários em risco de quebra fossem usados como reféns?

Menos PIB: Editorial / Folha de S. Paulo

Atividade econômica encolhe no 1º trimestre e prenuncia resultado fraco no ano

Longe de se recuperar da retração de 2014-16, a atividade econômica voltou a encolher no primeiro trimestre deste 2019, conforme se divulgou nesta quinta-feira (30).

A queda de 0,2% deve reduzir mais as projeções para o Produto Interno Bruto do ano. A crise argentina e a catástrofe de Brumadinhoavariaram a indústria; o mau tempo prejudicou a agricultura.

Entretanto o drama em comum no ciclo recessivo e na exasperante estagnação posterior é a míngua dos investimentos —as despesas privadas e públicas em infraestrutura, moradias, novas instalações produtivas, máquinas e equipamentos, que caíram pelo segundo trimestre consecutivo.

Estão hoje ainda em patamar 27% abaixo do observado cinco anos antes, um recuo trágico e ainda pouco compreendido. Economistas debatem as causas dessa crise de gravidade peculiar, por alguns chamada de depressão.

PIB recua e sinaliza outro ano de baixa expansão: Editorial / Valor Econômico

As estatísticas sugerem que pior que os resultados do Produto Interno Bruto do primeiro trimestre (-0,2%), só os do próximo. A economia brasileira está atolada na rota do baixo crescimento há nove trimestres, depois de uma recessão brutal por outros 11 trimestres, que produziu uma redução de 8,1% do PIB. Com essa performance medíocre, fatos negativos internos ou externos podem tornar esse desempenho ainda mais modesto. Em apenas cinco meses, o que parecia ser o piso do crescimento para o ano, de 1%, tornou-se um teto - que pode sequer ser atingido.

2019 já foi atingido pelo baixo carregamento estatístico de 2018, quando, no último trimestre, ficou claro que a economia estava perdendo fôlego. Com o recuo de 0,2% em relação ao fim do ano passado, o PIB precisará crescer 0,5% nos próximos três trimestres para atingir pífio 1%. Desde o fim da recessão, porém, no quarto trimestre de 2016, a média de expansão é de 0,4% (Gilberto Borça Jr., Valor, 26 de abril). Tanto pelo lado da oferta como do consumo, não há fatores visíveis de estímulo que deem impulso a maior expansão.

A produção industrial desacelera desde o terceiro trimestre de 2018, como boa parte dos setores econômicos, após a greve dos caminhoneiros. Nos primeiros três meses do ano, caiu 0,7% em relação ao trimestre anterior. A indústria extrativa, com um tombo de 6,3% em relação ao fim de 2018, influiu muito no resultado. Este número pode ser pior diante da perspectiva de rompimento de novas barragens em Minas Gerais. Em seguida, entre os comportamentos ruins, está a indústria da construção, com -2%, em uma sequência de cinco anos sem resultados positivos. A indústria de transformação também vai mal, jogando para baixo o desempenho de parte dos setores de serviços que dela dependem, como transporte, armazenagem e correio, que encolheram 0,6% neste trimestre contra o imediatamente anterior.

Ideologia contamina tema das drogas: Editorial / O Globo

Ministro contesta pesquisa da Fiocruz porque não o ajuda na política de internação compulsória

Uma das características preocupantes da postura do governo Bolsonaro diante de assuntos fora do campo econômico é a dificuldade de aceitar dados concretos de pesquisas e levantamentos. Se contrariarem a visão preconcebida da autoridade da área, eles são rejeitados, numa atitude anticiência que remonta à Antiguidade, quando crenças religiosas censuravam novas teorias astronômicas, por exemplo.

Hoje, no Brasil, o papel que era da religião é exercido pela ideologia. Constitui forte exemplo a destruição da Amazônia, há tempos acompanhada hectare a hectare por satélites. Em janeiro, constatou-se que o desflorestamento na região crescera 54% em relação ao mesmo período do ano passado. Mas, como a área do governo voltada ao assunto tem uma desconfiança de fundo ideológico do preservacionismo — compartilhada pelo próprio presidente, no mesmo figurino do nacional-populismo de Trump nos Estados Unidos —, este avanço das motosserras não recebe a merecida atenção.

Esta abordagem enviesada e estreita de questões complexas chegou ao combate às drogas, por meio do ministro da Cidadania, o médico Osmar Terra, conhecido militante do enfrentamento retrógrado do tema, desde quando era deputado federal pelo MDB do Rio Grande do Sul. Repete-se a distorção de a ideologia interferir na capacidade de entendimento do mundo real.

José Carlos Capinan: Confissões de narciso

Que pensará meu pai de mim agora
E dele que poderei pensar
Eu que pensando nele
Tanto gostaria de saber o que pensa de mim agora?
(Não será essa a última hora da confissão
Nem a primeira hora do nascimento)
Mas que pensaria meu pai ao me ver chorar?
Que pensaria minha mãe
Me vendo agora beijar outras bocas, outros seios, a
procurá-la como alimento?
Sei que jamais saberei o que se passou naquele
momento
Como não sei quase o que se passa agora
Lá fora a noite é cheia de compromissos
E eu, omisso, gravo aqui meus sentimentos
Guardado talvez de mim, guardado talvez dos outros
E querendo estar tão absorto
Que jamais soubesse como lá fora a noite se eterniza
em nunca e jamais
Jasmins exalam
Flores crescem durante a noite e durante a noite
despetalam
Indiferentes ao fato de que pela manhã lhes
arrancarão o talo
E eu por que falo?
Por que não escrevo, por que não beijo?
Porque não caço o inexistente poema, borboleta
imaginária?
Minha mãe sempre me pareceu generosa e perdida
Sempre me pareceu absorvida e mal amada
Uma vida doada para nada
E meu pai sempre me pareceu estrangeiro
Como todos os pais
Eu sequer por furto tive dele um sorriso
Nem a mão por compromisso de andar até o outro
lado da rua
Minha vida foi sempre nua desde o primeiro dia
E sequer me alivia
E sequer eu quero que alivie
Sequer eu quero que passe a vida
Sequer eu quero que continue
Eu quero apenas despir-me
(Embora já esteja tão despido)
E quisera então quem me possuíra
Ai quisera somente dizer estas mentiras
Para quem cresse em mentiras
E pudesse vê-las mais verdadeiras que as verdades que
são ditas
Na casa ao lado há conversas mais sérias que poesia
Há um plano de recuperar as moedas, as finanças, a
pátria, deus e a família
Tudo que é falido desde o começo
Mas eu de tudo também participo
E até em meu endereço chegam as cartas e o telefone
toca
(Serão avisos?)
Deveria estar num comitê que discute o amanhã
E as outras políticas do amanhã
Mas eu sequer desejo sair da cama
Quisera somente beijos, desses que não se proclamam
Beijos talvez cruéis, que se derramam sequer da boca e
sangram
E também quisera que o meu desejo
Não escapasse enquanto fosse o meu desejo
E atendesse ele próprio ao que deseja
Não me usasse para atendê-lo (ele que tanto me
reclama)