- Folha de S. Paulo
Brasil estará mais triste, mais pobre e certamente mais desigual
O coronavírus não escolhe suas vítimas: ataca sem distinção todos quantos acha no caminho. Mas a chance de topar com ele depende apenas em parte do acaso. Fatores sociais fora do controle individual influem no risco de se contrair a doença e no alcance dos seus efeitos.
Em edição recente, a revista americana The Atlantic discute como desníveis sociais de classe, raça ou local de moradia, anteriores à pandemia, alteram radicalmente a probabilidade de cada qual ser atingido por ela, sobreviver-lhe e seguir adiante. Nisso, o que vale para os Estados Unidos vale ainda mais para o Brasil.
Aqui, agudas diferenças de riqueza e renda formam o alicerce sobre o qual se assentam outras formas de desigualdade —todas se realimentando. Na crise atual, manifestam-se sobretudo nos meios de se proteger da moléstia; nas chances de contraí-la e a ela sucumbir; e no grau em que ditarão as condições de vida no futuro.
À medida que a epidemia chega às vizinhanças mais carentes, a suspensão das atividades econômicas, o isolamento social e as medidas de higiene —corretamente prescritos pelos governos— deixam de ser possíveis. Os pobres não podem abrir mão do trabalho informal que lhes garante o sustento, não têm como se isolar em habitações onde muitos se apertam em pouco espaço e, com frequência, não dispõem de água e esgoto que lhes permitam seguir as recomendações sanitárias.
Ainda que exista o SUS, o acesso a suas unidades e a qualidade do atendimento variam conforme o lugar e na razão inversa da pobreza de sua clientela. Além disso, como evidenciam as professoras Luiza Nassif Pires, Laura Carvalho e Laura de Lima Xavier no estudo recém-publicado “Covid-19 e desigualdade”, a incidência de uma ou mais enfermidades crônicas, que aumentam o risco de morte por coronavírus, é mais disseminada entre os idosos pobres. A presença de duas ou três delas é o triplo entre os que só têm o ensino fundamental do que entre aqueles que cursaram o ensino médio.
Finalmente, ainda durante a epidemia, o fosso da desigualdade se aprofunda, não só entre quem tem trabalho e quem não tem mas também entre os mais jovens, afetando, provavelmente em boa medida, o seu futuro. Do total dos alunos do ensino básico, os 70% matriculados nas redes públicas estão sem aulas. Enquanto isso, no restrito grupo de escolas de elite da rede privada, crianças e jovens recebem aulas a distância, graças ao acesso privilegiado à internet e a programas de comunicação remota.
Não tem erro: quando a epidemia passar, o Brasil estará mais triste, mais pobre e certamente mais desigual.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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