- O Estado de S.Paulo
Ninguém lidera em qualquer direção no principal cisma da política
O grande racha no governo e fora dele ocorre entre os que acreditam que a crise do coronavírus já está passando e os que acreditam que mal está começando. Não é simplesmente uma questão de opinião de quem confia possuir os melhores dados ou a melhor avaliação de riscos.
O conflito entre as duas linhas é de ampla natureza política e já tem severas implicações no relacionamento entre entes da Federação (presidente versus governadores, por exemplo), no sistema de governo (Executivo versus Legislativo) e no arcabouço jurídico mais abrangente (quais os poderes constitucionais do chefe de Estado, por exemplo). Além de ter profundo impacto nas medidas emergenciais para enfrentar a recessão trazida pela crise do coronavírus.
O presidente da República tem fé na versão de que o impacto econômico poderia ter sido bem menor não fosse o interesse de adversários políticos (governadores, a esquerda, “elites políticas” nebulosas, o “sistema”) em criar caos social para tirá-lo do poder. Está convencido de que a cloroquina não deixará o custo em vidas humanas ser tão alto como, por exemplo, nos Estados Unidos do ídolo Trump, que imita até nos erros.
Portanto, a principal linha de ação política do presidente no momento consiste em evitar que governadores e prefeitos transformem as medidas de ajuda emergenciais numa grande operação que teria como objetivo – claro, qual outro? – prejudicá-lo diretamente. “Reabrir” a economia virou sinônimo, para Bolsonaro, de sobrevivência política muito além de mobilizar sua base de seguidores.
Nisto entrou em sintonia fina com a equipe de Paulo Guedes, para a qual a Câmara dos Deputados criou um “seguro” contra a inevitável perda de arrecadação por parte de Estados e municípios que, na verdade, incentivaria a irresponsabilidade de prefeitos e governadores e, perversamente, os induziria a prorrogar medidas de isolamento que prejudicam a economia. Fala-se no gabinete de Guedes em “farra eleitoral” por parlamentares, governadores e prefeitos aproveitando uma crise de saúde.
Para a equipe econômica, “isolamento social” virou sinônimo de abuso fiscal e probabilidade alta de depressão após a recessão, apesar de destacados integrantes dela reconhecerem que a experiência internacional recente recomenda medidas restritivas (que prejudicam a economia) como única opção garantida para diminuir a proporção da tragédia de saúde pública.
Uma tragédia anunciada, antecipada e que a ala do governo menos comprometida com postulados ideológicos assume que é um risco iminente.
O resultado desse racha é uma perigosa paralisia política. O embate em torno das medidas emergenciais mobiliza setores do Executivo em busca de provocar uma divisão no Congresso (entre Senado e Câmara), enquanto setores do Legislativo buscam vantagens no que identificam corretamente como rachas dentro do Executivo. O presidente enfrenta os governadores e prefeitos em vários campos de atuação, levando o fracionado STF a arbitrar disputas políticas que arranham a Constituição, enquanto o poderoso corporativismo do funcionalismo público se defende nos três setores para não perder numa crise que empobrecerá o País inteiro.
Os graves contornos dessa crise indicam que ela é bem maior do que a capacidade dos principais atores políticos de manter qualquer controle dos acontecimentos de fundo, ou de liderar efetivamente em qualquer direção dos dois lados do “racha” apontado acima. Ficou para o vírus decidir.
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