quinta-feira, 16 de abril de 2020

FHC vê geopolítica sem liderança e se preocupa com disputa EUAxChina

O ex-presidente afirmou ainda que o Brasil está “vivendo uma febre mental” e que nesta hora de emergência mundial é melhor “ficar longe dos dois principais competidores”

Por Daniela Chiaretti | Valor Econômico

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acredita que o Brasil esteja “vivendo uma febre mental” e que nesta hora de emergência mundial é melhor “ficar longe dos dois principais competidores”, referindo-se ao embate entre Estados Unidos e à China.

Para FHC, a crise do coronavírus levará a uma “retração monumental, a economia irá cair muito e isso irá afetar o Brasil também. Iremos sofrer com o encolhimento da economia mundial”.

O ex-presidente participou do webinar “O coronavírus como game changer: perspectivas da política externa brasileira” ao lado do diplomata Marcos Azambuja, que foi embaixador do Brasil na França e Argentina e coordenou a conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento em 1992, no Rio de Janeiro, mais conhecida como Rio 92.

O debate online foi promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e registrou 1.500 pessoas conectadas.

O ex-presidente acredita que, neste momento, os Estados Unidos estão “se ressentindo do fato de a China estar assumindo a liderança do mundo”. A geopolítica atual, em sua visão, é de ausência de liderança clara. “Passado o coronavírus, quem terá hegemonia no mundo? A Europa capotou”, disse, referindo-se ao Brexit e à indefinição de quem irá liderar a Alemanha depois da saída da chanceler Angela Merkel.

“O que está em jogo é um desenvolvimento tecnológico brutal e nós, aqui no Brasil, estamos à margem”, considerou. O confronto entre EUA e China “é uma briga de gigantes”. Segundo ele, a política externa brasileira tem que trabalhar para recuperar o prestígio que o país tinha na América do Sul. “Vizinhos são importantes”, disse.

FHC e Azambuja concordaram que o mundo carece de líderes. Para o diplomata, o cenário atual é o de uma nova “Guerra Fria”. “Não me refiro à reedição de um conflito nuclear, mas do enfrentamento pelo poder. O poder chinês chegou a um ponto em que não é mais suscetível de ser escondido”, disse o diplomata.

Para ele, o país “não pode negligenciar nenhuma parte do mundo, porque todas nos interessam”. Comentando as recentes ofensas à China e a outros países, disse: “O Brasil está arranjando sarna para se coçar ofendendo dois terços da humanidade”.

Para o ex-presidente, o ponto mais importante da política externa brasileira seria resgatar os laços com a América Latina. “Nosso lugar no mundo depende de nossa capacidade de arrastarmos conosco os vizinhos. Se não for assim, ficaremos isolados e não teremos projeção nenhuma”.

Lembrou que a economia global está integrada e que o multilateralismo “está posto”. Azambuja, por seu turno, lembrou que o Brasil tem dez vizinhos e “é multilateral pela própria natureza”.

Pra FHC, “não adianta ficar pensando que este é o último vírus que vai nos atingir. Não é. Virão outros. O mundo de hoje transmite de tudo, o bom e o mal”. A resposta brasileira, disse, dependerá dos avanços em ciência e tecnologia.

O embaixador elogiou a resposta da sociedade à crise, mas criticou o governo atual. Citou a iminente demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em rota de colisão com Jair Bolsonaro. “O ministro da Saúde está sendo punido pela visibilidade de seu sucesso. Quando uma sociedade começa a punir os mais aptos está a caminho de algo ruim”.

FHC disse ainda que a crise do coronavírus evidenciou que “não dá mais para conviver com tanta desigualdade. O vírus não escolhe, pega todos.”

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