- O Globo
Caso do Rio Grande do Sul é exemplar: fez forte ajuste fiscal, mas receberá fração do que precisa pela ideia do governo de compensação
O Rio Grande do Sul deve perder este mês de abril R$ 850 milhões de arrecadação. Pela proposta do governo, ele receberia de compensação de ICMS R$ 300 milhões e pelo Fundo de Participação dos Estados (FPE) ele recebe R$ 30 milhões. O caso gaúcho põe em xeque a proposta do Ministério da Economia. É um estado que tem feito ajuste fiscal e aprovou mais reformas do que o governo federal. No FPE, ele recebe apenas 1,6% do rateio, por ser um dos estados mais ricos, na divisão pela população ele fica com um valor pequeno porque tem apenas 5% da população.
– O valor é extremamente insuficiente, não vai chegar nem a um terço da perda que a gente terá. Mas independentemente do valor, eu acho que o rateio pela população não faz sentido – diz o secretário de Fazenda, Marco Aurélio Cardoso.
O debate agora será travado no Senado entre a proposta da Câmara, de compensação da perda de ICMS por seis meses, e a ideia do Ministério da Economia, de dar R$ 40 bilhões (R$ 19 bilhões para os estados e R$ 21 bilhões para os municípios) ao longo de três meses. A Câmara aprovou a distribuição pelo critério de arrecadação, o governo quer que a divisão seja pelo tamanho da população.
O secretário Bruno Funchal, do Ministério da Economia, diz que o maior problema do projeto da Câmara é o artigo segundo, que estabelece esse “seguro total”. Ou seja, o Tesouro cobriria tudo o que o estado e a cidade perdessem nesses dois impostos, ICMS e ISS.
– Ele abre um espaço grande de incerteza e de incentivo à má gestão tributária quando faz um seguro total – diz Funchal.
O secretário gaúcho discorda e acha que não se respeitou a lógica.
– Cada imposto de origem tem a sua lógica de distribuição. O Fundo de Participação dos Estados não foi feito pela população, mas pelo rateio que tem como objetivo a redistribuição de renda. Pegam-se os impostos de renda e da indústria, pagos no Sul e no Sudeste, para transferir para os estados de menor renda e população. Ele vai 80% para o Norte e o Nordeste. Não me parece fazer sentido recompor assim o FPE, e na hora do ICMS usar-se o critério de população – diz Marco Aurélio.
O Rio Grande do Sul tem sido apontado pelos economistas fiscalistas como um exemplo de ajuste. Fez uma reforma da previdência com mais potência fiscal que a federal, fez a reforma administrativa, enquanto o governo federal sequer apresentou a sua. E estava se preparando para o regime de recuperação fiscal quando veio a pandemia. A Secretaria de Fazenda montou um sistema de monitoramento diário de imposto por imposto. E tem tornado público por boletins semanais. Registra quedas expressivas, de 25% a 30% na indústria e no varejo. Combustível está caindo o preço e a demanda. Só cresceram vendas de farmácias e supermercados, 10%. IPVA caiu 18%, Imposto de Transmissão, 69%, mas esses são menos importantes. O ICMS é que é fundamental.
Bruno Funchal foi secretário de Fazenda do Espírito Santo, sucedendo Ana Paula Vescovi, um estado que é o único nota A em qualidade do crédito. Hoje está no Ministério da Economia. Ele defende a proposta do governo como sendo a que evitaria o risco de uma farra fiscal:
– A regra de transferência com o critério per capita está associada à maior chance de contágio e de problemas de saúde e econômicos, mas esse não é o ponto principal. O principal é que ao se dar o seguro há risco de diferimento (adiamento da cobrança) de imposto para maximizar a transferência.
Marco Aurélio argumenta que isso não é possível:
– A preocupação é legítima, mas já está no projeto. O PL aprovado na Câmara proíbe diferimentos a não ser nos casos sugeridos pelo próprio governo, como o Simples Nacional e para produtos ligados à área da saúde. O ICMS é o imposto mais regulado do Brasil, porque tudo passa pelo Confaz e tem que ter unanimidade. Se eu quiser dar um incentivo tenho que ter a aprovação da Bahia. E o ministro da Economia é o presidente do Confaz. O ICMS é 68,8% da receita corrente líquida do Rio Grande do Sul. Não tem sentido brincar com um imposto que representa essa arrecadação.
A discussão técnica é esta. Mas o que realmente envenenou o debate foi a briga política. E ela ainda não cessou.
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