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Na frigideira, o presidente da República
Sabia-se que este seria um governo imprevisível dada à trajetória de quem o encabeça e ao que ele tem feito desde que subiu pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto para ali permanecer pelos próximos quatro anos. Mas um presidente ser fritado publicamente por um ministro de Estado? Parecia impossível.
Não é mais. Durante quase duas horas, ao vivo para todo o país via canais de rádio e de televisão e a pretexto de despedir-se do cargo que deixará em breve, o ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, deitou e rolou sobre o presidente Jair Bolsonaro. Foi duro, mas sem perder os bons modos jamais. Salvo uma vez.
“O presidente quer outra posição do Ministério da Saúde que não posso dar porque trabalho com base na Ciência”, disse Mandetta logo de saída. Sugeriu, portanto, que seu sucessor se orientará por outros critérios, embora não tenha especificado quais. Mandetta citou a Ciência como seu guia pelo menos meia dúzia de vezes.
Em uma delas, para contrastar sua forma de atuação com a de Bolsonaro, afirmou: “Sabem como escolhi minha equipe? Por currículo, olho no olho. É assim que se faz. Quantas vezes não me pressionaram para que demitisse uns e outros? Mas somos uma grande família. Trabalhamos com a Ciência”.
Revelou que nomes cogitados para seu lugar o tem consultado a respeito, e que ele tem dito, generoso: “Venha, venha”. Quer dizer: possíveis substitutos dele, embora sondados por emissários do presidente, querem ouvir antes Mandetta para só depois responderem se estariam ou não dispostos a encarar a tarefa.
Uma pitada de intriga e uma dose elevada de humilhação servida a Bolsonaro que a tudo assistia a poucos metros do local onde Mandetta pontificava. “O importante é que o nome tenha a confiança do presidente e que tenha condições de trabalhar com base na Ciência”, provocou Mandetta mais um pouco.
O ministro não perdeu a chance de fazer ressalvas ao uso das cloroquina para o tratamento do coronavírus, remédio que Bolsonaro mandou que o Exército produzisse em larga escala e recomenda a toda gente. Por fim, Mandetta voltou a defender o isolamento social que Bolsonaro quer acabar.
A crítica mais direta e ferina a Bolsonaro, Mandetta reservou para fazer em entrevista a repórter Roberta Paduan, da VEJA:
– Sessenta dias tendo de medir palavras. Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda, depois muda de ideia e fala tudo diferente. Você vai, conversa, parece que está tudo acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo. Já chega, né? Já ajudamos bastante.
Nunca antes na história deste país um ministro saiu do governo chamando o presidente da República de “o camarada” e expondo-o dessa maneira. Na verdade, poucos ousam sair atirando. Mandetta não se limitou a tentar ferir Bolsonaro de raspão Pretendeu feri-lo gravemente.
Bolsonaro faz a aposta mais arriscada da sua vida
Tudo pela reeleição
O rompimento no ano passado da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, matou 253 pessoas.
A morte inaugural do coronavírus ocorreu no último dia 17. Em um mês, o número de mortos equivale a quase 7 Brumadinhos.
Morreram nas últimas 24 horas 204 pessoas. É possível que hoje morram mais de 240. Em breve, talvez 1 Brumadinho por dia.
O pico da pandemia é esperado em maio e junho. Em seguida haverá uma baixa no número de mortos e de contaminados.
Teme-se mais uma ou duas ondas. O Ministério da Saúde calcula que em setembro o país ainda estará enterrando seus mortos.
Haveria momento mais contraindicado para mudar a linha de frente do combate ao coronavírus? Quem ganhará com isso?
Quanto tempo levarão o novo ministro e sua equipe para dominar a máquina do ministério e se familiarizar com a situação?
Espera-se do sucessor do ministro Mandetta que trabalhe afinado com o presidente da República e siga sua orientação.
Se não for assim, por que trocar de ministro? Não faria sentido. À vida de pessoas, o presidente opõe a salvação da Economia.
É uma falsa dicotomia porque a Economia tão cedo sairá do atoleiro causado pelo vírus. Nem aqui nem em parte alguma.
Bolsonaro sabe disso. Mas como só pensa e age de olho na reeleição, quer atender ao que pedem seus devotos.
Só perde apoio desde que se propôs a tratar a pandemia como se fosse uma gripezinha. Imagina que se recuperará mais adiante.
É a aposta mais arriscada que já fez na vida. Que nenhum outro chefe de Estado está fazendo. E que poderá lhe custar o mandato.
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