Programa anunciado gera dúvidas; governo fará bem se ampliar cadastro de pobres
Parece provável que questões e questiúnculas políticas ocupem grande parte do debate em torno do recém-anunciado Renda Brasil —que, segundo o ministro Paulo Guedes, da Economia, será uma versão ampliada do Bolsa Família a ser lançada, em caráter permanente, após o pior da pandemia.
De mais mesquinho, haverá decerto resmungos contra a mudança marqueteira do nome do programa, além da retomada de disputas pela paternidade da ideia de transferir renda diretamente para os estratos mais pobres da população.
Trata-se de polêmica que não deveria sobreviver a esta altura. Vem de longa data, em todo o mundo, o aperfeiçoamento das ações assistenciais do Estado, a partir de estudos acadêmicos, experiências em diversos países e fomento de organismos como o Banco Mundial.
Essa modalidade, mais focalizada e menos paternalista, começou no Brasil de forma embrionária sob o tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e ganhou impulso nas administrações petistas de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10) e Dilma Rousseff (2011-16).
Mais relevante, no âmbito político, é o que a nova iniciativa pode revelar dos rumos do governo Jair Bolsonaro. Será afrouxada, em definitivo, a austeridade orçamentária? O presidente enfraquecido está em busca de uma outra base de sustentação política e eleitoral?
Um tanto de ceticismo deve preceder tais especulações. Primeiro, porque Guedes é dado a anúncios bombásticos que resultam em coisa nenhuma —já falou, por exemplo, em zerar o déficit público em um ano, arrecadar R$ 1 trilhão com privatizações e obter 40 milhões de testes para a Covid-19 de um misterioso empresário britânico.
Ademais, o regime de arrocho fiscal não é mera escolha ideológica. O governo brasileiro, que hoje depende de dinheiro emprestado até para o custeio cotidiano, não conseguirá criar novas despesas permanentes sem convencer o mercado credor de que a alta explosiva da dívida pública será contida.
Tudo considerado, o governo fará bem se aproveitar a experiência do auxílio emergencial na pandemia, já problemática, para tornar mais completo seu cadastro de famílias de baixa renda, de modo a incorporar trabalhadores informais.
É desejável rever a distribuição de recursos da portentosa rede nacional de proteção social —programas como o seguro-desemprego, por exemplo, deixam de fora quem não teve a carteira assinada. A carga tributária deve mirar mais a renda e menos o consumo.
Com qualquer nome que venha a ter, a transferência de recursos aos mais carentes precisa ser preservada e, se possível e necessário, ampliada —com critérios transparentes e o mínimo de politicagem.
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