A epidemia e a crise que chega não garantem boas perspectivas para o presidente e seu projeto eleitoral
A rara calmaria com que o dia de ontem transcorreu até o início da noite começou com uma reunião do ministério do presidente Bolsonaro transmitida ao vivo pela TV Brasil, e que transcorreu dentro dos protocolos e etiquetas condizentes com esses encontros, diferente daquela de abril.
Em seguida, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, atendendo a convite da Câmara dos Deputados, deu explicações à comissão externa formada na Casa para tratar da crise da Covid-19, principalmente sobre a nova e polêmica metodologia de contabilização das estatísticas do avanço da epidemia no país. E anunciou que o ministério voltaria a divulgar os dados da forma como vinha fazendo, conforme determinação do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, em atenção a reclamações de partidos políticos.
Não faz muito tempo, esta mesma agenda poderia ter levado Bolsonaro a usar a sua artilharia contra alvos diversos, todos de alguma maneira relacionados à democracia. A melhor hipótese para o comportamento distendido de Bolsonaro, pelo menos no dia de ontem, seria que o presidente afinal passou a refletir sobre a trajetória que segue no seu radicalismo, percebendo que seu destino é o isolamento.
Ajudará bastante Bolsonaro e o país se ele entender as críticas que o presidente do Supremo, Dias Toffoli, lhe fez na segunda-feira sobre a dubiedade com que se refere à democracia, e acerca dos ataques que manifestações, com seu apoio, têm feito ao estado democrático de direito e especialmente à Corte. O presidente pode ter uma claque ruidosa, mas não se governa na tranquilidade com apenas 30% ou 25% de apoio, e elevada taxa de desaprovação enquanto a população enfrenta a mais grave ameaça na saúde pública em décadas, a epidemia do coronavírus.
A construção de uma ampla frente pela democracia é forte empecilho a projetos golpistas do presidente, se ele os tiver. Entrevista concedida no domingo na GloboNews por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) à jornalista Míriam Leitão demonstrou a viabilidade da aliança.
É certo que o desconforto dos brasileiros crescerá mais ainda com o desemprego e a perda de renda que já começam a ocorrer no aprofundamento da recessão deflagrada pela epidemia, com efeito corrosivo nos planos eleitorais do presidente. Bolsonaro precisa entender o apelo de Toffoli à união entre os poderes para o combate à Covid, mas que também precisará se estender à passagem pelos momentos difíceis que estão a caminho com a crise às portas. Semear o caos como tática golpista colherá apenas mais caos.
Virar as costas ao mundo, sem preocupar-se com reações bizarras na pandemia ou o proposital descontrole do desmatamento na Amazônia, somados aos ataques à democracia, significa também inviabilizar uma passagem menos dolorosa pela recessão já contratada, porque faltarão investimentos externos para isso. Tudo a ser debitado da conta do presidente.
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